Não é novidade que vivemos num país muito rico, sob todos os aspectos. Podemos mesmo dizer, sem exagero, que somos o país da abundância. No entanto, o cenário presente na vida da imensa maioria da população é de extrema escassez. Esse paradoxo gera uma profunda inquietação de que podemos tomar consciência lembrando algumas questões econômicas que atingem diretamente a vida do povo brasileiro. Por que razão a economia está estagnada, apesar de nossas imensas capacidades? Por que os juros são tão elevados no Brasil? Por que uma das maiores potências produtoras de alimentos do mundo (somos o terceiro maior produtor de alimentos do planeta) tem mais da metade da população em insegurança alimentar? A crise da fome não acontece por um acaso: o modelo econômico brasileiro é configurado de modo a resultar em privilégios e na concentração da renda e da riqueza nas mãos de uma minoria, em detrimento da justa distribuição de renda e riqueza, impedindo o nosso desenvolvimento socioeconômico. Numa palavra, a agenda econômica implementada é diretamente responsável por essa tragédia humanitária.
Enquanto o grande agronegócio, orientado exclusivamente para a exportação, festeja recordes de faturamento, de safras e de exportação de commodities, o Brasil tem hoje 33 milhões de famintos (no Nordeste, 12 milhões) e 125,2 milhões em situação de insegurança alimentar, chegando a haver disputas por ossos e restos de lixo de supermercado para garantir a sobrevivência. Esse paradoxo atesta que a opção pela primazia do agronegócioe pelo abandono de políticas voltadas ao pequeno agricultor e à agricultura familiar e o desmonte da CONAB, que garantia os estoques reguladores de alimentos, afetam diretamente a alimentação do povo brasileiro, que está sendo tratada como um mero negócio. O que de fato alimenta a população é principalmente a produção da pequena agricultura familiar, que ocupa a menor parte das terras, recebe a menor parte dos financiamentos estatais, mas pouquíssima atenção dos sucessivos governos.
Enquanto analistas conservadores afirmam que não há alternativa diante do aumento dos preços de alimentos no mercado internacional, na realidade o problema está nas políticas agrária e agrícola do governo que, nos últimos anos, desmontaram os programas que asseguravam a compra de alimentos da agricultura familiar e se recusam a tributar as exportações, o que seria uma medida básica a ser tomada para reencaminhar parte da produção para o mercado interno. A falta de uma Reforma Agrária no país fortalece este modelo ao manter a agricultura familiar com a menor parte das terras. A atual dependência do Brasil na área de fertilizantes, por exemplo, provém da opção do governo brasileiro pelo desmonte da estrutura que mantínhamos, privatizando ou sucateando diversas fábricas de fertilizantes da Petrobras.
As definições das políticas agrícola e agrária que optam pelo predomínio do agronegócio e acarretam uma série de consequências ligadas à devastação territorial, contaminação do solo e dos rios devido ao uso exacerbado de venenos, além de provocarem inflação ainda desfrutam da isenção de impostos. A situação exige mudanças profundas!
Manfredo Araújo de Oliveira, UFC
Foto: Vatican News