G. Delgado, em seu livro “Rumo ao Mundo de Francisco”, sintetiza em quatro pontos o que há de comum nos diferentes textos em que o papa toma posição a respeito das questões econômicas: a) O caráter destacadamente pastoral das múltiplas falas doutrinais de Francisco, característica distintiva e frequente de suas manifestações públicas; b) As críticas profundas ao individualismo econômico em aliança com o progresso técnico como finalidade da economia; c) A crítica à idolatria do dinheiro; d) A emergência de uma nova antropologia econômica – o “homo ecologicus” – para uma nova economia humana e ecológica em construção. Embora as questões tratadas não sejam desconhecidas pela Doutrina Social da Igreja, o presente enfoque articula a orientação pastoral da Igreja Católica em relação aos problemas específicos do sec. XXI. Numa palavra, estes documentos visam explicitar uma nova ‘práxis’ eclesial, centrada nas dimensões social e ecológica, com vistas à construção de uma nova cultura econômica.
Para G. Delgado, a ecologia integral, proposta pelo papa Francisco como nova cosmologia, tem suas implicações econômicas e antropológicas, o que mostra claramente a confrontação do “homo economicus” com o “homo ecologicus”. O ‘homo economicus’ é guiado unicamente pela pulsão egoísta e utilitária no comportamento microeconômico, tanto como consumidor, quanto como empreendedor ou como trabalhador; seu relacionamento econômico com outros indivíduos se estabelece nos parâmetros inflexíveis do utilitarismo (troca mercantil), o que se aplica também às relações com a natureza, com a sociedade e consigo mesmo. O princípio, de base hedonista, de consecução do máximo benefício individual ao menor custo é compulsório. Aqui se pressupõe uma ética utilitária rígida da concorrência mercantil. Agindo desta forma, favorecido pelo progresso técnico, esse tipo de conduta engendraria um crescimento econômico geral, sustentado por um sistema de preços mercantis de oferta e de procura, capaz de conduzir mecanicamente ao equilíbrio de preços entre compradores e vendedores. Todas as relações econômicas obedecem aos princípios da racionalidade instrumental, desconsiderando os efeitos externos de suas ações para com terceiros e, sobretudo, para com a natureza.
O ‘homo ecologicus’ da economia ecológica, de acordo com os princípios da ecologia integral, estabelece relações completamente distintas consigo mesmo, com outros seres humanos e com a natureza, porque mantém uma relação com Deus na ótica da fé. Sendo como são os seres da natureza criados por Deus, o consumidor, o empreendedor e o trabalhador na economia ecológica buscam a harmonia e o cuidado para com a natureza como norma do agir humano. À produção e ao consumo ecológico estão diretamente vinculados os padrões de minimização da entropia da terra (no sentido de território e planeta) e a geração de um valor de uso final saudável para consumo humano. A perspectiva de uma nova civilização ecológica passa necessariamente pela superação do ‘homo economicus’ da modernidade, causa provável dos muitos riscos ambientais, sociais, sanitários e econômicos que se acumulam de forma estressante na desordem cósmica. Assim, a ecologia integral, revertendo as tendências caóticas da economia moderna, gera um novo pacto relacional humano-ambiental natural.
Manfredo Oliveira-UFC
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Obrigado, Manfredo, por este brevíssimo artigo que, com esta qualidade, tem a vantagem de.em poucas pinceladas, deixar bem claro. com auxílio de G. Delgado, os quatro pilares do Papa Francisco em sua Pastoral. Juntar as pontas na cabeça e coração, , passá-las à prática e voltar a refletir sobre a ação.é a linha-mestra do Papa Francisco para a) criticar profundamente o individualismo econômico absolutizado e b) a idolatria do dinheiro e c) para propagar uma nova antropologia econômica a do “homo ecologicus” em substituição ao “homo economicus”. O conteúdo transformador desta mensagem profética, é claro, não podedeixar em paz quem precisa transformar-se – na verdade, cada um de nós. E por isso, cada qual tem algo a criticar no Papa Francisco e em si mesmo. Eu, de minha parte, sinto-me motivado por este Papa Transformador a trabalhar por minha própria transformação, por custosa que seja, e pela do meu meio-ambiente. Bravo, Manfredo!