Por Manfredo Araújo de Oliveira*
Esta semana foi marcada pela celebração do que constitui o cerne da fé cristã : a morte e a ressurreição de Jesus. O objetivo é adentrar com outros olhos no enigma da existência humana. Isto significa que a festa da páscoa implica descer aos porões da vida humana e captar que há poderes presentes que ameaçam aniquilar tudo o que se almeja como bom em todos os projetos humanos. O homem pós-moderno interpreta esta existência no horizonte da “perda de sentido”: aí onde a razão moderna encontra grandes soluções a partir de seu ideal de emancipação, a mentaliade contemporânea insiste no peso da vida dilacerada contra todo ideal o que se mostra dolorosamente nas situações de violência de todos os tipos: bilhões de pessoas vivendo em extrema pobreza, o massacre de crianças e adolescentes, a situação humilhante nos presídios, a discriminação de raças, as diferentes formas de opressão das mulheres, a intransigência cultural, a negação sistemática da di¬versidade, a rejeição da alteridade, a perseguição de minorias de raça, de sexo, de etnia, de dissidentes aos regimes, a sistemática destruição da natureza, drogados, aidéticos e todos os negados por uma sociedade que só tem tempo para seu consumo infinito, discriminações de todos os tipos, guerras criminosas. A finitude e a morte não escancaram a falta de sentido de tudo? A experiência da realidade humana se revela plena de sofrimento, de opressão, de infelicidade. Longe de qualquer fundamento, tudo parece caminhar para o puro vazio, o nada.
Que é, então, fé para os cristãos? Acolhida livre de que os eventos da páscoa são sinais da chegada da efetivação do que constitui o mais profundo da esperança humana. O grande sinal é a ressurreição: no seio da experiência da cruz irrompe o anúncio da ressurreição como interpelação a um olhar novo sobre a vida humana e a posturas novas capazes de transfigurar esta vida. No fundo da história está em jogo algo fundamental: a busca de realização do ser humano. O anúncio da ressurreição é a afirmação de que esta procura não é vã: abre-se uma possibilidade para uma vida com sentido. Falar de ressurreição significa falar de uma comunhão radical com Deus, que nem a morte consegue extinguir, portanto, falar da vitória da vida. Esta palavra começa a ter credibilidade, quando gestos de ressurreição começam a fazer declinar as mortes sofridas, gestos que possuem a força de ir reconquistando a vida humana e fazendo degustar, nesta conjunção de regoziso e dor, as marcas de vida nova, de recuperação da justiça, da ternura, do gosto de viver e conviver. Em nossa sociedade começa a fazer subversão quem partilha o pão, a vida, os ideais, quem ainda é capaz de se acercar com ternura de um doente, das prostitutas, dos abandonados, quem é capaz de acariciar uma criança, respeitar as mulheres, lutar por justiça! Quem sabe, tudo isto talvez seja um sinal muito frágil, mas ele já começa a dissipar as trevas de nossas vidas.
*Doutor em Filosofia e professor da UFC. Presidente da Adital
Fonte: Adital