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A Doutrina Social da Igreja é um conjunto de documentos e princípios estabelecidos pelo Magistério da Igreja. O chamado Magistério Social propõe-se a estabelecer diálogo com realidades históricas específicas.
“Perita em humanidade, a Igreja está sempre interessada por tudo o que diz respeito ao homem e à mulher.” (CARTA AOS BISPOS DA IGREJA CATÓLICA SOBRE A COLABORAÇÃO DO HOMEM E DA MULHER NA IGREJA E NO MUNDO)
“Toda a doutrina social se desenvolve, efetivamente, a partir do princípio que afirma a intangível dignidade da pessoa humana” (Cf. João XXIII, Carta encicl. Mater et Magistra: AAS 53 (1961) 453, 459.)
Esse conjunto de documentos, ainda que voltado a discutir temas historicamente definidos, possui fios condutores que interligam seus conteúdos, compondo um corpo doutrinal por meio dos chamados princípios, dentre os quais se destaca o princípio personalista, fundamentado no conceito antropológico de pessoa humana.
Diversos são os autores e as correntes de pensamento social, político ou econômico, mas quais as bases antropológicas que sustentam tais ideias? Um autêntico pensamento social cristão deve sempre se interpelar acerca da situação da pessoa humana ante a qualquer realidade.
Assim nos ensina a Doutrina Social da Igreja (DSI), ao basear-se no princípio personalista e ao propor um “humanismo integral e solidário”. Para que se possa compreender com profundidade a riqueza do ensinamento social da Igreja, é preciso, portanto, entender as bases da “antropologia cristã”, plasmada no princípio personalista.
A pessoa humana e a antropologia cristã
Uma “antropologia bíblica” apresenta-nos elementos fundamentais e indispensáveis acerca da pessoa humana. Partindo-se da leitura do livro do Gênesis (importante entendê-lo não apenas como um texto que trata do princípio em sentido cronológico, mas também deontológico), tem-se o anúncio de que a pessoa humana é criatura de Deus, criada à sua imagem e semelhança.
Ser criatura à imagem e semelhança de Deus coloca o ser humano como essencialmente e existencialmente ligado a Deus de um modo muito profundo. A partir de Cristo, a relação com Deus torna-se ainda mais profunda: somos seus filhos.
Partindo dessa antropologia bíblica, diversos pensadores debruçaram-se sobre o que seria uma antropologia cristã, capaz de basear não apenas o conteúdo moral da Doutrina, mas também para servir de alicerce para ideias no campo das ciências sociais. Constitui-se, assim, um ramo da antropologia filosófica chamado de personalismo cristão.
Um dos grandes expoentes desse campo do pensamento foi Karol Wojtyla, ou São João Paulo II. Durante seu papado, tivemos uma atualização do Catecismo da Igreja Católica (1992) e a publicação do Compêndio da Doutrina Social da Igreja (2004), os quais refletem a centralidade da categoria pessoa humana no ensino da Igreja como base antropológica, com destaque para os conteúdos de caráter social.
Doutrina Social da Igreja: um humanismo integral e solidário
O Magistério amplia a interpretação acerca da aquisição da característica pessoal (ser pessoa) pelo homem. Assim nos diz o Catecismo da Igreja Católica (CIC, 357): “por ser à imagem de Deus, o indivíduo humano tem a dignidade de pessoa: ele não é apenas uma coisa, mas alguém.
É capaz de conhecer-se, de possuir-se, de doar-se livremente e de entrar em comunhão com outras pessoas, e é chamado, por graça, a uma aliança com o seu Criador, a oferecer-lhe uma resposta de fé e de amor que ninguém mais pode dar em seu lugar”.
O ser humano é, assim, vocacionado (chamado) a ser pessoa, a identificar-se subjetivamente como ser livre e único e a relacionar-se com seus semelhantes, conformando uma comunidade de amor, à imagem da Trindade, que é comunhão de Pessoas. No Magistério Social, a pessoa surge não apenas como categoria filosófica, mas como sujeito, cuja dimensão pessoal expressa-se também nas relações sociais.
O traço definidor do princípio personalista para compreensão e transformação da relações sociais está inscrito naquilo que a Doutrina Social da Igreja chama de “humanismo integral e solidário”. Diante de outras concepções antropológicas, o personalismo apresenta alternativa na qual a pessoa nunca deve ser identificada como simples meio para construção social, mas sempre como sujeito dessa construção, o que torna a promoção da dignidade da pessoa pedra de toque de todo o edifício da doutrina social.
Fundamento da Doutrina Social, a pessoa, de forma integral – em suas dimensões corporal e espiritual -, deve ser artífice de uma sociedade à altura de sua dignidade. Esse processo, nos ensina a DSI, deve encaminhar a humanidade à construção de uma “civilização do amor”, na qual a solidariedade será laço que une os seres humanos na caridade. O humanismo integral e solidário é, assim, uma proposta de uma sociedade construída pela pessoa e cujo objetivo é a promoção de sua verdadeira dignidade, ser pessoa.
Autor: Emanuel Magalhães
Diplomata e economista, mestre em Economia Política Internacional, membro consagrado da Comunidade Shalom.
Fonte: Instituto Parresia