Cidade do Vaticano
A Comissão teológica internacional publicou em seu site na quinta-feira, 3 de maio, o documento “A sinodalidade na vida e na missão da Igreja”. Fruto de um longo trabalho, o texto foi submetido ao Papa, o qual deu parecer favorável à publicação.
Além de aprofundar o significado teológico da sinodalidade, sobretudo à luz do ensinamento do Vaticano II, o documento oferece algumas importantes orientações pastorais, reiterando que “uma Igreja sinodal é uma Igreja participativa e corresponsável”.
A propósito, trazemos o artigo “O caminho da sinodalidade – documento da Comissão teológica internacional”, de autoria do teólogo Piero Coda – sacerdote e docente italiano –, publicado no jornal vaticano L’Osservatore Romano:
“O caminho da sinodalidade é o caminho que Deus espera da Igreja do terceiro milênio.” Assim se expressou o Papa Francisco no discurso pronunciado em 17 de outubro de 2015, por ocasião do 50º aniversário de instituição do Sínodo dos Bispos por parte de Paulo VI, pouco antes da conclusão do Concílio Vaticano II. Uma afirmação programática e empenhativa como esta, ainda mais se enquadrada no contexto de uma Igreja interpelada à reforma de sua vida em vista de uma mais incisiva saída missionária, não podia deixar de receber a atenção que merece da Comissão teológica internacional. Esta, no último quadriênio, numa das três subcomissões em que articula suas atividades, trabalhou intensamente para aprofundar o significado da sinodalidade na vida e na missão da Igreja, como se lê no título do documento que acaba de ser publicado.
Em particular, emergem com evidência, da leitura do documento, dois centros de gravidade: o fato que a assunção de uma correta prática sinodal é, sem dúvida, um desafio prioritário para a Igreja hoje em fidelidade criativa ao magistério do Vaticano II; porque a sinodalidade, corretamente entendida e praticada, expressa e atualiza a natureza e a missão mais autênticas e profundas da Igreja na história. Efetivamente, é verdade que a evidência da sinodalidade qual “dimensão constitutiva da Igreja” é um fato que, explicitamente, é bastante recente na Igreja católica, estando ligada à recepção do último Concílio. Mas é igualmente indubitável que a experiência que esta palavra diz, e as formas concretas de vida eclesial que a realizam, têm suas raízes no próprio evento de Jesus Cristo e na práxis de vida da comunidade cristã desde suas origens, como tal, depois transmitida – com diferentes declinações ao longo dos séculos – até chegar a nós.
Isso já era afirmado por um padre da Igreja como João Crisóstomo: “Igreja é nome que quer dizer sínodo”, ou seja, caminho percorrido juntos: porque sínodo é palavra grega composta da preposição sýn, que significa “com”, e acompanhado do substantivo hodós, que significa “caminho”. Os cristãos não foram inicialmente chamados “discípulos do Caminho” – que é Jesus –, como testemunham os Atos dos Apóstolos? Portanto, caminho percorrido juntos, sob a guia do Senhor ressuscitado, por todo o povo de Deus, na variada e ordenada pluralidade de seus membros e no exercício responsável e convergente dos vários ministérios, dos diferentes carismas, das múltiplas tarefas e estados de vida. A Congregação para a Doutrina da Fé ressaltou isso no ano passado, na carta Iuvenescit ecclesia sobre a coessencialidade de dons hierárquicos e dons carismáticos.
De fato, a Igreja é caminho juntos que contempla o reunir-se em assembleia não somente naquela forma frontal e constitutiva de seu ser que é a synaxis eucarística: quando o povo de Deus ouve a palavra e celebra o sacramento do Corpo e do Sangue do Senhor, graças ao qual Ele se torna presente no meio de seu povo para a salvação do mundo; mas também para discernir de tempo em tempo, à escuta do Espírito Santo, as questões doutrinais, canônicas e pastorais que cada vez a interpelam. Foi assim que brotou, do coração da experiência da fé vivida pelo povo de Deus, uma ininterrupta práxis sinodal: a nível diocesano, provincial, regional e universal. Tudo isso na fidelidade ao princípio inderrogável de que as estruturas e os processos em que se desenvolveu este intenso e ininterrupto dinamismo, embora marcados pela diversidade das culturas, dos contextos históricos, das sensibilidades espirituais, se realizassem sempre em referência normativa ao testemunho da Sagrada Escritura e ao ensinamento da tradição.
Nesse sentido, o conceito de sinodalidade deve ser distinguido – precisa o documento da Comissão teológica internacional – e, ao mesmo tempo, colocado em relação com os conceitos de comunhão e de colegialidade que estão no coração da doutrina eclesiológica do Vaticano II. Em relação à comunhão, sinodalidade explicita o modo de viver e de atuar concretamente da Igreja enquanto ela é, por graça, no seu mistério mais profundo, a participação dos discípulos na comunhão do amor do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Mas diz algo de específico também em relação ao conceito de colegialidade, enquanto este último expressa o significado e o exercício do ministério dos bispos quais membros do colégio episcopal em comunhão hierárquica com o bispo de Roma, a serviço da comunhão entre as Igrejas locais no seio da única e universal Igreja de Cristo. O fato é que o dinamismo sinodal do qual a Igreja vive a sua missão implica inseparavelmente duas coisas: a participação e corresponsabilidade de todos os batizados e o exercício específico da autoridade da qual, no seio do povo de Deus e a seu serviço, os pastores são investidos. O bispo na singular Igreja, o colégio dos bispos em comunhão hierárquica com o Papa nos vários agrupamentos de Igrejas a nível provincial e regional e, de forma peculiar, a nível da Igreja universal.
Se esta é, no fundo, a experiência da Igreja de sempre, a eclesiologia do Vaticano II introduziu a Igreja numa fase nova de seu caminho que, entre luzes e sombras, teve importantes aquisições nos cinquenta anos de sua recepção. Exige-se hoje – e é a isso que o Papa Francisco convida, em continuidade com o magistério de seus predecessores – um salto de qualidade: despertar as energias e imaginar as formas, em fidelidade criativa ao depósito da fé, de uma pertinente e corajosa práxis sinodal capaz de envolver todos e cada um no Povo de Deus.
Não se trata de uma simples operação de engenharia institucional, o documento da Comissão teológica internacional argumenta isso com nitidez: trata-se, em primeiro lugar, de tornar-se disponíveis àquela conversão do coração e do olhar, dom do Espírito de Cristo, que torna capazes de ativar na vida e na missão da Igreja um estilo e uma práxis sinodal sempre mais correspondente às exigências do Evangelho e à tarefa urgente da evangelização.
Ademais, não é casual que a instância da sinodalidade, embora com diferentes modalidades e com a necessidade de decisivas clarificações, seja hoje colocada como questão essencial no caminho ecumênico para se chegar à plena e visível unidade entre as Igrejas e comunidades eclesiais. A propósito, a Comissão teológica internacional faz referência ao documento de Chieti (2016) fruto dos trabalhos da Comissão mista internacional para o diálogo teológico entre a Igreja católica e a Igreja ortodoxa, e ao documento do Conselho ecumênico de Igrejas The Church. Towards a Common Vision (2003).
Por fim, a sinodalidade – o documento da Comissão teológica internacional insiste recordar – diz algo de essencial acerca do compromisso a tornar presente e operante o fermento, o sal, a luz do Evangelho no contexto da sociedade planetária do nosso tempo. Os eventos cruciais que se descortinam no horizonte para toda a família humana pedem um espírito e uma cultura do encontro e da escuta recíproca, do diálogo e da cooperação. A desafeição em relação aos métodos e as estruturas de participação nas sociedade democráticas, a tentação de fechar-se nos particularismos, os refluxos autoritários e o perigo de uma ditadura insidiosa dos poderes econômicos e da tecnocracia exigem vigilância e visão, envolvimento, competência e renovado empenho. Daí, a exigência de oferecer lugares e processo de adequada formação e de eficaz exercitação ao diálogo e à participação. O convite de São João Paulo II a viver a Igreja como “casa e escola de comunhão” (Novo millennio ineunte, 43) valorizando as estruturas sinodais previstas pelo Vaticano II, e o do Papa Francisco a “iniciar processos” de “discernimento, purificação e reforma” (Evangelii gaudium, 30) revestem um preciso significado também cultural, no serviço a um exercício partilhado da justiça e da solidariedade social a nível local e a nível global.
[disponível aqui, em italiano].
(L’Osservatore Romano)