O Papa Francisco convocou ano passado o Ano da Vida Religiosa Consagrada (VRC), dentro de um espírito de reencantamento, desejoso de partilhar as dificuldades, mas também expor luzes para o futuro, a partir de Cristo. Com esse passo importante a VRC entrou nas comemorações dos Cinquenta anos do Concílio Vaticano II.
O Decreto “Perfectae Caritatis” já propunha, dentro do espírito do Concílio, uma nova abordagem dos Conselhos Evangélicos e da VRC “segundo os tempos atuais” (PC 1). Contudo, a proposta atualização passa, segundo o Concílio, por um revigoramento que encontra suas forças nas fontes carismáticas de cada família religiosa, pois lá está o primeiro encantamento, o lugar onde o Espírito suscitou um singular encantamento pelo Evangelho, diz o Concílio: “a atualização da vida religiosa compreende ao mesmo tempo contínuo retorno à fontes de toda vida cristã e a inspiração primitiva e original dos institutos e adaptação dos mesmos às novas condições dos tempos.”
Tal proposição conciliar levou a VRC a uma busca de sua identidade, segundo a tradição dos vários institutos houve um tempo de frutuoso retorno. Muitas publicações, muitos seminários, mas ao lado disso houve no imediato do Concílio a dor da perda. Em virtude de interpretações múltiplas muitos deixaram a VRC, mas também estava um espírito de reencantamento, em especial na América Latina com a presença profética que se intensificou nos anos pós-conciliares. Em meio às ditaduras, a VRC foi uma verdadeira voz profética: muitos deram a vida!
Tempos novos se impuseram a VRC ao final do século XX: envelhecimento dos membros, muitas casas de formação deixaram a inserção, diminuição de ingressos de novos membros, reestruturação de muitos institutos, a cultura neoliberal também não deixou de afligi-la. São desafios que que impõe também nesta segunda década do século XXI.
Diante destes desafios o Papa Francisco propôs para este ano a Alegria. Contudo, em meio a tantos desafios como guardar a alegria? Vários institutos não somente na Europa, mas também nas américas já experimentam o desaparecimento de províncias e a ameaça de desaparecimento do próprio instituto; outros têm que conviver com as duras consequências da infidelidade e delitos de alguns membros; alguns vendem os bens para cuidar melhor dos muitos idosos, à espera de quem ficará para a pagar a luz!
O Papa Francisco quis neste ano um reencantamento a partir da cruz. É uma espécie de mudança de referencial, se antes se predominava um encantamento maravilhado com a pessoa de Jesus, em virtude de suas palavras, de seus sinais, e mesmo da cruz que é vencida pela ressurreição; agora, todos estes elementos permanecem: as palavras de Jesus, os sinais, a cruz vencida pela ressurreição. Mas a dor, a solidão e a impotência da cruz acentuam o ministério da presença. Um modo de presença profético, mas sem grandes alardes, apesar de seguir sendo um serviço, diz-nos o Papa: “Numa sociedade que ostenta o culto da eficiência, da saúde, do sucesso e que marginaliza os pobres e exclui os «perdedores», podemos testemunhar, através da nossa vida, a verdade destas palavras da Escritura: «Quando sou fraco, então é que sou forte» (2 Cor 12, 10).” (Carta Apostólica Ano da Vida Consagrada).
Neste início do século XXI, atender ao Concílio passa pela alegria de assemelhar-se a Jesus, ou melhor, em saber que Jesus viveu coisas semelhantes ao cenário atual para a VRC, “que entre nós não se vejam rostos tristes, pessoas desgostosas e insatisfeitas, porque «um seguimento triste é um triste seguimento». Também nós, como todos os outros homens e mulheres, sentimos dificuldades, noites do espírito, desilusões, doenças, declínio das forças devido à velhice. Mas, nisto mesmo, deveremos encontrar a «perfeita alegria», aprender a reconhecer o rosto de Cristo, que em tudo Se fez semelhante a nós e, consequentemente, sentir a alegria de saber que somos semelhantes a Ele que, por nosso amor, não Se recusou a sofrer a cruz.” (Carta Apostólica Ano da Vida Consagrada).
Três elementos enfatizados no Documento de Aparecida parecem levar ao coração dessa alegria: dedicar-se a Cristo com um coração indiviso, ser especialista em comunhão e testemunho da primazia de Deus (DAp. 216-219). Aquilo que o Papa propôs na Carta Apostólica como objetivos passa por estes elementos identificadores da VRC, o Papa Francisco propôs: 1. Olhar com gratidão o passado; 2. Viver com paixão o presente e 3. Abraçar com esperança o futuro.
A VRC é chamada a perscrutar o passado vendo essa primazia de Deus, do mesmo modo um presente apaixonado passa por este amor a Cristo, por um coração indiviso, que não se deixa iludir pelos ares de secularização e disputas, pois o olhar está fixo no Senhor, também para um tempo de diminuição de membros e envelhecimento, a comunhão exige mais concretude, voltar ao espírito dos primeiros cristãos, ao que a intuição original sonhou para a vida comunitária do instituto, estabelecer ponte com o laicato, e mais fortalecer os laços de colaborações com as Igrejas locais. Estes elementos estavam seguramente presentes na inspiração original dos institutos, mas atualizar é voltar àquela alegria primeira e eleger, novamente, o que é essencial.
Quando se tem muito, eleger o que é essencial não é fácil. Requer tempo e muita atenção, a nós religiosos isso se chama discernimento à luz do Espírito de Deus. Portanto, a alegria não é uma magia, é uma opção de quem resolve eleger o essencial para guarda-lo, vive-lo e anuncia-lo. Que o Ano da Vida Religiosa Consagrada nos tenha ajudado a isto, a eleger o essencial.
Pe. Abimael Francisco do Nascimento, msc.