Por Marco Passerini*
A foto do pequeno Aylan na praia da Turquia invadiu os twitters e os demais veículos da mídia internacional. Não menos emblemática da gravidade da crise de refugiados do Mediterrâneo, outra imagem de criança vem tomando conta, nesses dias, das redes sociais. Uma bebezinha síria, de pijaminha e chupeta, engatinhando no asfalto bem próxima do cordão da polícia onde sua família, igual a milhares de outras famílias fugitivas, aguarda a permissão de passar a fronteira grego-turca rumo à Alemanha.
Enquanto isso, mais e mais refugiados e migrantes desesperados tentarão escapar das perseguições e das guerras para morrerem à míngua nas perigosas travessias ou sobreviver pelo resto da vida com as marcas indeléveis dos horrores de uma tragédia humana que parece não ter fim.
Resta saber: o poder indiscutível dessas imagens terá força suficiente para mudar as atitudes dos líderes europeus com relação aos refugiados.
No Evangelho deste domingo (Mc 9, 30-37) Jesus, nas estradas das Galiléias de ontem e de hoje, nos surpreende com três palavras inusitadas que, como todo o Evangelho, andam na contramão da lógica de todos os tempos: último, servidor, criança. Palavras que andam bem longe daquela imagem de um Deus Todo-Poderoso e Onisciente que todos herdamos, ainda que de maneiras diferentes.
Enquanto o Filho do Homem falava de realidades absolutas, de vida e de morte e não escondia o drama bem próximo de sua morte na cruz, os discípulos mais chegados a ele conversavam entre si, nada preocupados com a profecia do mestre e amigo. Competição e disputa de cargos no primeiro escalão os preocupavam muito mais. Quem entre nós será o maior? Tamanha indiferença, entre nós, seria imperdoável. Jesus, entretanto, não desiste de sua misericordiosa catequese, põe uma criança bem no centro e a abraça dizendo: «Quem receber em meu nome uma destas crianças, estará recebendo a mim. E quem me receber, não estará recebendo a mim, mas aquele que me enviou».
Não se trata somente de um gesto carinhoso e por demais gostoso. Identificando-se com as crianças que naquele tempo eram consideradas criaturas insignificantes e excluídas da vida social e religiosa, Jesus se identifica com todos os pequeninos, desprezados e desesperados da vida, de todos os tempos e de qualquer recanto do mundo.
É a razão pela qual papa Francisco não cansa de repetir que o evangelho todo é a narração da ternura do grande abraço de Deus. Um Deus que coloca no centro do cenário da humanidade não a si mesmo e seus direitos, mas a carne de todos aqueles que não conseguem sobreviver sozinhos. Na centralidade da fé está posto um abraço de ternura e de acolhida.
Enquanto isso, em nome de soberanias nacionais e de seguranças individuais, amontoam-se nas fronteiras geográficas e culturais de nosso hemisfério insuperáveis cercas de arame farpado e desfilam exércitos ostensivamente armados.
“Quem acolhe uma criança, é a mim que estará acolhendo”. Não resta mais dúvida que “acolher” é o único verbo capaz de gerar o mundo do jeito que Deus sonha e que “acolhida” é o nome novo da civilização.
Sem esquecer que, para nós cristãos, acolher ou afugentar os desesperados, tanto nas fronteiras nacionais como na soleira de nossos lares, é o mesmo que acolher ou expulsar o próprio Deus.
*Sacerdote da congregação dos Missionários Combonianos. Nascido na Itália em 16 de maio de 1941. No Brasil desde 1973. Brasileiro naturalizado desde 2000. Cidadão maranhense a partir de 2005. Há 22 anos residente em Fortaleza-Ceará, depois de 15 anos de presença no Maranhão. Meu compromisso missionário é com a causa da Justiça, da Paz e da Integridade da Criação, numa atitude samaritana junto aos encarcerados do Ceará.
Uma resposta
Munto bem vindo e real esse artigo. Bom seria se todas as comunidades de nossa Arquidiocese voltassem suas ações para o essencial que é essa acolhida aos pequenos de nossas comunidades. Por uma Igreja missionária e menos voltada aos grandes shows : Essa é nossa missão.