[ARTIGOS] Crise estrutural

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Para muitos hoje nossa situação se tornou um grande enigma. O país parecia caminhar muito bem em torno de uma maioria que se criou em função de um projeto de nação com duas pilastras básicas: crescimento econômico e distribuição de renda. Neste horizonte se articulou e implementou um modelo de desenvolvimento que se denominou nacional desenvolvimentista baseado fundamentalmente nas vantagens comparativas de nossos imensos recursos naturais e por isto se falava também de modelo agrário-exportador.

M. Pochmann nos chama a atenção para grandes mudanças produzidas por este modelo que ocorreram no mercado de trabalho: 20 milhões de empregos gerados de até dois salários para um segmento social sem mínimas condições de ascender a empregos melhores. Foi mesmo assim uma ascensão social inegável na base da pirâmide social brasileira o que foi suficiente para causar muito desconforto e indignação na camada social privilegiada que ainda vive da convicção de que justiça social é coisa do comunismo.A exaustão deste modelo vinha sendo anunciada por alguns há um certo tempo, mas para o economista G. Delgado do Ipea foi necessária a conjugação das muitas crises que nos assolam hoje para se evidenciar seu esgotamento. Delgado defende a tese da simultaneidade de quatro crises: a) Crise dos sistema da Petrobrás: interna revelada pela operação Lava Jato e externa pelo declínio forte do preço do barril de petróleo. O lucro extraordinário do petróleo se dissolveu o que significa que toda a estratégia da exploração acelerada do Pré-sal tem que ser repensada; b) Crise do sistema hídrico: falta de água para consumo urbano e para a produção hidroelétrica que exaure reservatórios frente a um consumo urbano e industrial fortementedesregrado; c) Reversão dos preços das “commodities”: petróleo, ferro, açúcar, soja, milho, carnes, etc.; d) Crise fiscal: forte deficiência nas finanças públicas. Para Delgado a conjugação destas diferentes crises afeta precisamente o eixo articulador que constitui nossa especialização: a super-exploração de recursos naturais com efeitos econômicos e sociais que podem ser devastadores.

Um outro elemento fundamental na compreensão de nosso momento conjuntural é o que L. Dowbor tem chamado o travamento da economia do país pelo sistema financeiro. O crédito no país representa 60% do PIB. O crediário cobra 104% para “artigos de lar” comprados a prazo, o rotativo no cartão está cobrando 238%, os mais de 160% no cheque especial. Isto significa que mais da metade da capacidade de compra dos novos consumidores é direcionada para os intermediários financeiros o que tem como consequência a esterilização de grande parte da dinamização da economia pelo lado da demanda, do crescimento e do processo redistributivo.

Sem dúvida esta situação exige soluções emergenciais, mas mais ainda nos interpela a buscar saídas estruturais do modelo que incluiu sem efetivar as reformas estruturais sem que o que não avançaremos. Importa debatermos como reconfigurar o quadro estrutural para podermos orientar as ações do Estado na direção dos excluídos e das vítimas desta conjugação de crises que revela a debilidade de nosso projeto de nação.

Manfredo Araújo de Oliveira [padre e filósofo. Professor na Universidade Federal do Ceará (UFC). Mestre em Teologia pela Universidade Gregoriana de Roma, Itália, e doutor em Filosofia pela Universidade Ludwig-Maximilian de Munique, Alemanha. Assessor das Pastorais Sociais e padre da Arquidiocese de Fortaleza. É Presidente da ADITAL].

Fonte: ADITAL

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