Mais uma vez o Senhor nos concede podermos viver a Quaresma, este tempo especial e favorável para intensificarmos nossos exercícios espirituais no caminho da conversão, tão pedida por Nosso Senhor e tão necessária para nós.
A cada ano a Igreja propõe para nós cristãos católicos, iluminada sempre pela Palavra de Deus, aqueles exercícios espirituais apresentados no Evangelho de São Mateus: a esmola, a oração e o jejum (Mt 6,1-6.16-18). Além do mais há anos os Santos Padres publicam uma Mensagem para a Quaresma. Com a graça do Espírito Santo o Papa Francisco nos presenteou com uma bela e inspiradora mensagem quaresmal, baseada na passagem bíblica Tg 5,8: “Fortalecei os vossos corações”.
Na referida Mensagem do Papa Francisco, ele toca em uma situação existencial muito presente nos dias atuais, a indiferença. Com certeza uma situação existencial que é uma chaga, uma ferida aberta no coração das pessoas, das comunidades e da sociedade atual, o próprio Papa afirma que “a indiferença para com o próximo e para com Deus é uma tentação real”. Para o Santo Padre a Quaresma é aquele tempo de renovação anual, necessário, que o povo de Deus precisa “para não cair na indiferença nem se fechar em si mesmo”.
Lendo a Mensagem do Papa Francisco chamou-me a atenção que ele apresentou a “Quaresma como um percurso de formação do coração”, apoiado em um pensamento de Bento XVI, na Encíclica “Deus caritas est”, n.31. A partir daí o Papa propõe a Ladainha ao Sagrado Coração e o verso “Fazei o nosso coração semelhante ao Vosso”, como o objetivo quaresmal: chegar à Páscoa com um coração semelhante ao de Jesus Cristo.
Pois bem, baseado nesta passagem da Mensagem do Papa Francisco para a Quaresma, que tem o apoio de dois Papas, já o que pensamento originário vem dos escritos de Bento XVI, pus-me a pensar em um itinerário que ajudasse nossa vivência vocacional, como pessoas desejosas de fazer com que o nossos corações assemelhem-se o máximo ao Coração de Jesus, ao Coração do Bom Pastor.
Sugiro, nesta primeira meditação algumas palavras que poderão nos auxiliar nessa busca quaresmal que o Papa nos desafia. São elas: pobreza, oração, penitência e pureza.
A pobreza: saber-se pobre e necessitado impede que sejamos autossuficientes e arrogantes. A esta se soma o exercício espiritual da esmola, de dar do que nos fará falta a quem menos tem, e doar confiando que o Senhor será PROVIDENTE. Assim vivem os verdadeiros pobres: eles creem em Deus que é Providência. No nosso caminho vocacional, podemos nos perguntar: até onde cremos de verdade na Providência Divina? Será que não gostamos de acumular bens materiais e humanos, por não confiar inteiramente na providência de Deus? Qual meu nível de despojamento? Convido a todos a realizarem nesta Quaresma um gesto concreto de despojamento, seja de roupa ou de algum outro bem pessoal. Aliás, foi o Senhor Jesus quem disse que é preciso “renunciar para seguir”, pois o “Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça” (Mt 8,20). Dependendo da nossa resposta podemos suplicar ao Senhor: “Coração de Jesus, rico para todos os que o invocam, tende piedade de nós”.
A oração: não deve haver um cristão que não reze! Penso eu. A oração é o nosso meio de contato direto com o Senhor. Sem oração não sobrevive uma alma cristã. A oração nos faz entrar numa comunhão de vida e de espírito seja com o próprio Senhor seja com os irmãos, e até mesmo da pessoa que reza, consigo mesma; quando estamos quebrados é a oração que junta nossos pedaços, em Deus. Oração deve ser, antes de tudo, pessoal – do crente com Deus – já dizia Santa Teresa de Jesus: “orar é tratar de amizade, estando muitas vezes a sós com quem sabemos que nos ama”. Depois deve ser comunitária, pois aquele que reza deve ser levado pela sua oração pessoal a rezar com os irmãos, na partilha sincera da sua vida de fé.
O Papa até escreve em sua Mensagem que devemos estar unidos em oração “à Igreja do Céu” – comunhão dos santos, e da mesma forma a oração em comunidade, na Igreja da Terra. Por essa oração poderemos clamar: “Coração de Jesus, digníssimo de todo louvor, tende piedade de nós”. O que isso tem a ver com quem está em um caminho vocacional? Alguém que deseja seguir o Senhor e não tem vida de oração com certeza viverá de falácia. Um vocacionado tem que rezar e pedir sempre ao Mestre: “ensina-nos a rezar” (Mt 6,8); afinal as pessoas esperam de um futuro sacerdote que ele seja mestre na arte de rezar. Qual tempo tiro para nossa oração pessoal? Como procuro viver a oração na vida da comunidade?
A penitência: palavra que tomou conotação de sofrimento e de dor. E esse tipo de pensamento está muito longe do que é pregado pela sociedade hedonista e liberal do nosso tempo. Mas, aqui, penitência vista como ascese, mortificação, ajudar-nos-á na reflexão sobre até onde nos entregamos de verdade ao Senhor. Até onde sou capaz de uma mortificação, de fazer um sacrifício? A penitência, antes de ser encarada como algo pesado ou como um fardo, deve ser encarada como oportunidade de firmar passos de enfrentar a si mesmo e de entregar-se totalmente.
O jejum entra neste aspecto quando, por sentir falta do alimento, damo-nos por conta de que não devemos ser “cheios” de nós mesmos, mas somos necessitados, pobres, carentes. O jejum quebra nosso orgulho, nossa prepotência. Alguém que se propõe discípulo do Senhor não pode segui-lo sem penitência, sem ascese. Senão poderá se entender como um ditador, como alguém que pensa que os outros dependem dele. Alguém assim se acha o centro do mundo. Enquanto isso, clamamos ao Senhor: “Coração de Jesus, saturado de opróbios… atribulado por nossos crimes… propiciação pelos nossos pecados, tende piedade de nós”.
A castidade: outra virtude tão combatida nos dias atuais. A guarda da castidade implica não somente o dom do celibato; implica também a guarda da pureza do coração e da mente, que inclui o olhar, as palavras que saem de nossas bocas, os acessos que nossas mãos fazem na internet, os lugares onde nossos pés nos levam… Guardar-se para doar-se – isso é fruto da castidade. Alguém que se propõe entrar no caminho do seguimento vocacional de Jesus Cristo terá que aprender a viver guardando seus afetos para doá-los na Missão a todas as pessoas. Ser casto significa poder dizer ao Senhor: “Coração de Jesus, rei e centro de todos os corações, tende piedade de nós”.
Penso que estes elementos podem nos favorecer na conformação dos nossos corações ao Coração de Jesus. Coração que nunca foi indiferente à vida humana; Coração que foi até o extremo da entrega da vida por amor! Peçamos então, que nosso caminho quaresmal seja tempo oportuno de conversão e de consolidação da nossa vocação. Façamos desse tempo um tempo de conversão pessoal e pastoral, para que as vocações “se tornem ilhas de misericórdia no meio do mar da indiferença!”.
Fortaleza, 28 de fevereiro de 2015.
Por Pe. Rafhael Silva Maciel, Reitor do Seminário Propedêutico