Os bispos reunidos na 50ª Assembleia Geral (AG) em Aparecida (SP) divulgaram nesta terça-feira uma nota em defesa dos territórios e dos direitos dos povos indígenas, quilombolas, pescadores artesanais e demais populações tradicionais.
Diz a nota “Sem a garantia do acesso à terra, elemento base da cultura e da economia dessas populações, elas continuarão a sofrer opressão, marginalização, exclusão e expulsão, promovidas por empresas depredadoras, pelo turismo, a especulação imobiliária, o agronegócio e pelos projetos governamentais, como as grandes barragens, que têm invadido áreas cultivadas, alterando o ciclo da vida dos rios e provocando o despovoamento de suas margens”.
Os bispos lamentam o adiamento das demarcações e a exploração das terras dos povos tradicionais. Na nota, eles chamam a atenção para as condições do povo Guarani-Kaiwá, no Mato grosso do Sul, que estão vivendo “um verdadeiro genocídio”.
Em relação aos povos quilombolas, os bispos denunciam a morosidade no reconhecimento dos territórios. Para o presidente da
Comissão Pastoral da Terra (CPT), dom Enemézio Lazzaris, o que mais tem preocupado a CNBB não é somente a demarcação das terras, mas a reintegração daquelas ocupadas indevidamente. “Nós precisamos da demarcação mas também do reconhecimento das terras que já pertencem aos índios e aos quilombolas”.
Dom Enemézio explicou que no Pará, Maranhão, Mato Grosso do Norte e do Sul, são mais 50 dioceses com comunidades indígena. “Nesses locais temos uma corrida pela terra, se passa por cima de seus ocupantes, para que ela seja usada para o lucro, sem se levar em conta o meio ambiente e sem se respeitar as comunidades que ali sempre habitaram”.
Segue a nota:
Em defesa dos territórios e dos direitos dos povos indígenas, quilombolas, pescadores artesanais e demais populações tradicionais
Nós, Bispos do Brasil, reunidos na 50ª Assembleia Geral, reafirmamos nosso compromisso com os povos indígenas, quilombolas, pescadores artesanais e demais populações tradicionais, pelo fortalecimento de suas identidades e organizações próprias, na defesa dos seus territórios, na educação intercultural bilingue dos povos indígenas e na defesa de seus direitos. “A partir dos princípios do Evangelho, apoiamos a denúncia de atitudes contrárias à vida plena em nossos povos de origem e nos comprometemos a prosseguir na obra da evangelização (…), assim como a procurar as aprendizagens educativas e de trabalho com as transformações culturais que isso implica” (cf. DAp 530).
A Constituição Federal de 1988, ao confirmar o direito territorial dos povos indígenas e das comunidades quilombolas, bem como dos pescadores artesanais e outras populações tradicionais, representou muito mais do que a necessária reparação do erro histórico da apropriação de suas terras e da escravidão. É o reconhecimento da sociedade brasileira de que para esses povos a terra e a água são um bem sagrado, que vai além da mera produção para sobrevivência, não se reduzindo à simples mercadoria. É patrimônio coletivo de todo um povo, de seus usos e costumes, assim como a apropriação dos seus frutos.
Ao Governo Federal, cabe o dever constitucional de reconhecer, demarcar, homologar e titular os territórios indígenas, quilombolas e das demais populações tradicionais, ressarcindo seus direitos, passo fundamental e determinante para garantir sua sobrevivência.
Sem a garantia de acesso à terra, elemento base da cultura e da economia dessas populações, elas continuarão a sofrer opressão, marginalização, exclusão e expulsão, promovidas por empresas depredadoras, pelo turismo, a especulação imobiliária, o agronegócio e pelos projetos governamentais, como as grandes barragens, que têm invadido áreas cultivadas, alterando o ciclo de vida dos rios e provocando o despovoamento de suas margens.
Lamentamos profundamente o adiamento dos procedimentos administrativos de demarcação, a invasão e a exploração das terras dos povos tradicionais. Chamamos especial atenção para as condições de confinamento e os assassinatos que vitimam o povo Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul. Um verdadeiro genocídio está em curso, maculando a imagem de nosso País como defensor dos direitos humanos.
Repudiamos, de modo veemente, o ataque desferido pela bancada ruralista e outros segmentos do Congresso Nacional aos direitos dos povos indígenas, consignados em nossa Carta Magna, através de proposta de emenda constitucional, a PEC 215/2000.
Em relação às comunidades quilombolas, preocupa-nos a morosidade no reconhecimento dos seus territórios. Rejeitamos a sórdida estratégia de questionar a constitucionalidade do processo de titulação de suas terras, de modo a impedir os trâmites legais que atendam aos seus legítimos anseios.
Conclamamos o Governo brasileiro ao cumprimento da Constituição Federal e dos instrumentos internacionais dos quais o Brasil é signatário, especialmente a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT; à proteção dos direitos dos indígenas, quilombolas, pescadores artesanais e das demais populações tradicionais, como forma de pagamento da dívida histórica que o Brasil tem com esses povos, demarcando e homologando os seus territórios, impedindo sua invasão, em defesa dos mais pobres e vulneráveis em nosso País.
Sob a proteção de Maria, a quem invocamos como Rainha e Padroeira, Nossa Senhora Aparecida, confiamos a proteção do nosso povo que constrói, na fé e esperança, um Brasil verdadeiramente para todos.
Aparecida – SP, 23 de abril de 2012
Raymundo Cardeal Damasceno Assis
Arcebispo de Aparecida
Presidente da CNBB
Dom José Belisário da Silva
Arcebispo de São Luís do Maranhão – MA
Vice-presidente da CNBB
Leonardo Ulrich Steiner
Bispo Auxiliar de Brasília – DF
Secretário Geral da CNBB