Vocês que acompanham nossas contribuições, percebem que existe um fio condutor em meu raciocínio, que se evidencia particularmente em primeiro lugar pela perspectiva pastoral, ação evangelizadora, missão; em segundo lugar, tenho batido muito na tecla sempre respaldado pelos documentos da Igreja de cunho pastoral, que a nossa prática pastoral é de manutenção, rotineira, de uma orientação eminentemente religiosa, centrada no templo, de uma Igreja que se volta sobre si mesma (ad intra), com falta de apoio para as atividades de uma Igreja servidora do mundo e que contemple a dimensão social do Evangelho, o pensamento social da Igreja com respectivas práticas que coloquem a Igreja voltada para o mundo (ad extra).
Temos enormes dificuldades talvez não de entender, que as mudanças culturais que são compreendidas como mudança de época, exigem de nós o “aggiornamento” que marcou o pensamento e o direcionamento do Concílio Vaticano II, ou seja, a Igreja e sua capacidade de adequar suas estruturas, suas práticas pastorais e sua metodologia numa linha de renovação, que ajudem a responder os ingentes desafios de nossa contemporaneidade.
A dificuldade é justamente de ousar mudar, de tomar iniciativas na fidelidade ao Evangelho, porque o momento atual, com toda a honestidade e sem nenhuma arrogância de juízo, nos permite afirmar que precisamos mudar justamente para sermos fiéis ao Evangelho, à proposta de Jesus, o Cristo, porque estamos enveredando por outro caminho.
Na Academia, quando estamos contribuindo em assessorias a Grupos, Dioceses, Assembléias Paroquiais sempre vem a pergunta por parte daqueles que querem mudar: Padre, qual a dificuldade para se mudar? O que nos impede de superar este conservadorismo pastoral que não tem mais sentido? Não é uma resposta fácil, pois uma multiplicidade de fatores contribui para tal. Existe, entretanto uma que é fundamental e que questiona nossa espiritualidade, hoje “considerada” como extremamente positiva, com muita reza, louvor e leitura bíblica, em contraposição a uma espiritualidade dos anos 80 e parte dos 90, em que se afirmava que o pessoal não rezava, só se preocupava com o compromisso, avaliada equivocadamente como grupos que não tinham espiritualidade. Na contramão desta forma de pensar considera-se hoje, por exemplo, que a espiritualidade hegemônica hoje não é fértil no que diz respeito ao seguimento, porque não desemboca na defesa da vida, no compromisso pela dignidade humana. Exige desinstalação.
A dificuldade consiste na falta de despojamento, de desapego interior e pastoral, para os quais o documento de Aparecida apontou como saída a Conversão Pastoral (n. 370) e o Papa João Paulo II denominou na Redemptoris Missio de Conversão de mentalidade (RMi, 49). Por falta de formação e outros ingredientes somos apegados a um estilo de pastoral que, contrariando a necessidade de mudança, cada vez mais se enraíza e é também alimentado pela Instituição. Apego a fechar-se no seu próprio grupo, movimento, pastoral= girar em torno do umbigo que conduz à falta de eclesialidade, de uma visão de conjunto, de espírito missionário; apego a um tradicionalismo que se fecha à possibilidade de mudança.
Provocação
O missiólogo Paulo Suess, tratando do assunto e vale a pena refletir sobre suas idéias afirma que, “O apego cerceia a liberdade e o fluxo energético da vida… o desapego deve ser visto “como ascese, como excercício de se livrar do desnecessário para que todos possam usufruir o necessário” (cf. Introdução à Teologia da Missão, Vozes 2007, pág. 78-79), ou seja, com o apego às nossas convicções pastorais ultrapassadas, que responderam a um determinado momento da história, nos satisfazemos com a rotina mimética que não produz vida; é ter a lucidez de observar nas nossas ações o que não é mais necessário, repetitivo e olhar para o que é necessário hoje para sermos fiéis ao Evangelho.
Curiosamente, as orientações estão abundantemente indicadas no Magistério de cunho pastoral (Diretrizes, Documento de Aparecida…), documentos engavetados por quem deveria motivar e ensaiar a sua aplicabilidade.
Esta modesta contribuição quer ser uma provocação à reflexão aos Agentes de Pastoral. Um primeiro sinal de apego é não querer dialogar com ela (não que ela seja completa e não possa ser criticada, isto faz parte do diálogo), mas fechar-se nas próprias convicções de uma forma tal que não veja outros horizontes. A “provocação” é um convite ao leitor a fazer perguntas às suas convicções, aquilo que é evidente para si, ao que para você está “aparentemente” claro, inquestionável, o certo é o que eu e meu grupo, minha paróquia estamos fazendo hoje, tendo como referência o desapego, a per spectiva de mudança.
Pe. Almir Magalhães, é padre da Arquidiocese de Fortaleza, Diretor-Geral e Professor da Faculdade Católica de Fortaleza(Seminário da Prainha), Reitor do Seminário de Filosofia da Arquidiocese de Fortaleza e Mestre em Missiologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma.
Fonte: Jornal O Povo