No caminho quaresmal que iniciamos há pouco, entramos no deserto com Jesus Cristo. Ele “foi levado para o deserto pelo Espirito”, e fez daqueles dias tempo de profunda comunhão com o Pai. Talvez pudéssemos dizer que os quarenta dias no deserto foram o propedêutico (preparação) de Jesus para poder iniciar sua missão. E o que Ele fez ali? Ele rezou e jejuou, mas próximo ao final desse tempo foi tentado por Satanás.
Lembremos que a travessia do povo de Deus pelo deserto, ao sair do Egito, durou quarenta anos! A demora para chegar à terra prometida, ao final da peregrinação, certamente fez dessa travessia algo pesado, que por vezes encheu de amarguras e de dores o coração dos israelitas. Em tempos de demora a mão do Tentador costuma aparecer; não foi à toa que ali no deserto os israelitas sentiram fome e sede, sentiram a demora de Moisés que não descia do Monte Sinai; o que fez o Tentador? Colocou certo tipo de “saudade” no coração das pessoas: tiveram saudades das cebolas do Egito, mesmo que isso lhes custasse a liberdade; essa saudade do Egito fez com que murmurassem, falassem contra Deus, reclamassem da vida – que agora era livre, mesmo que com algumas dificuldades; a murmuração levou-lhes a criar um deus: um bezerro de ouro – que substituiu o verdadeiro Deus. A esse bezerro até ofereceram seus sacrifícios.
Caros amigos, pode acontecer que as dificuldades da vida por vezes nos encontrem ou nos levem para desertos, onde somos postos à prova, somos tentados, afligidos pelo Inimigo. Entramos na Quaresma, e de algum modo estamos no deserto com o Senhor. Na verdade, a esse deserto quaresmal fomos levados por Jesus e pela Igreja. Entremos nesse tempo favorável com a coragem de olhar para nós mesmos, para nossas tentações, para aquelas coisas que o inimigo tem posto à nossa frente procurando nos afastar da verdadeira Vida. Por isso, se o deserto é lugar de angústia, de sede, de fome, de tentação, é bem verdade que ele pode, também, converter-se em lugar e tempo de muitas graças. Eis o que quer ser a quaresma para os cristãos, para os católicos: tempo de graça e de vida!
No seu tempo de deserto Jesus recebeu as consolações e a força do Espírito Santo. Ali o Senhor sentiu profundamente a presença do seu Pai na força da Palavra. Reparemos que as tentações foram vencidas pela força da oração e com a proclamação da Palavra. Três vezes tentado, três vezes Jesus citou a Palavra. Assim, a Palavra tornava-se realidade naquela hora de angústia. O Papa Emérito Bento XVI, uma vez disse que “a escuta e o acolhimento da Palavra de Deus exigem o silêncio interior e exterior, afastando-nos de uma cultura barulhenta que não favorece o recolhimento” (Catequese, 07/03/2012). Eis uma das funções do deserto: ser lugar de silêncio!
Segue então a dica para esses próximos dias: tirar um tempo da semana e procurar um lugar onde você possa estar em silêncio para acolher a Palavra de Deus, e dessa Palavra algum compromisso de crescimento espiritual e/ou humano. Afinal, continua Bento XVI naquela Catequese, “podemos dizer que Jesus nos ensina a rezar, não só com a oração do Pai-nosso, mas também com o exemplo da sua própria oração, indicando-nos que temos necessidade de momentos tranquilos vividos na intimidade com Deus, para escutarmos e chegarmos à ‘raiz’ que sustenta e alimenta a nossa vida”.
Ali no deserto o Senhor venceu o Inimigo com a perseverança na luta, com a perseverança no sacrifício. Jesus rezou e jejuou. E em que essa prática do jejum ajudou Jesus na batalha contra a tentação? Ora, Jesus mesmo disse que “não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus”, desse modo ele declara ao Tentador que o verdadeiro jejum “tem como finalidade comer do alimento verdadeiro, que é fazer a vontade do Pai”, ou seja, “com o jejum, o fiel deseja submeter-se humildemente a Deus, confiando em sua bondade e misericórdia” (Bento XVI, Mensagem para a Quaresma 2009).
Dessa forma encaramos o jejum como exercício espiritual de entrega à vontade de Deus. E essa entrega abre espaço suficiente para não se deixar ludibriar pela “lábia” do Tentador. Certamente, “privar-se do alimento material que nutre o corpo facilita uma disposição interior a escutar Cristo e a nutrir-se de sua palavra de salvação”; desse modo, com o jejum e a oração nós permitimos que o Senhor “venha saciar a fome mais profunda que experimentamos no íntimo de nosso coração” (Bento XVI, Idem). Segue então a outra dica: se ainda não escolheu, em oração escolha seu jejum, sua abstinência para esse tempo quaresmal.
Nesse tempo segue-nos a Santa Mãe de Deus, peçamos a ela que nos sustente “no esforço de libertar o nosso coração da escravidão do pecado para o tornar cada vez mais ‘tabernáculo vivo de Deus’” (Bento XVI, Idem).
Pe. Rafhael Silva Maciel
Roma, 22 de fevereiro de 2018
Cátedra de São Pedro