“Entre eles ninguém passava necessidade porque dividiam tudo em comum” Atos dos Apóstolos 4, 32-35.
Em 1962, na arquidiocese de Natal, nasceu a semente da Campanha da Fraternidade, no nordeste brasileiro. Em 1964 o movimento tornou-se nacional e desde então, a Igreja do Brasil promove durante a quaresma a Campanha da Fraternidade. Assim, podemos dizer que a Campanha da Fraternidade é o modo brasileiro de celebrar a Quaresma. Ou melhor, é nosso programa de evangelização quaresmal.
Para nós cristãos/as, a quaresma é um tempo marcado pelo chamado à conversão: mudança de vida, transformação (mentalidade, sentimento, atitude), volta ao Senhor, adesão ao seu Evangelho. Essa transformação é tanto pessoal, quanto coletiva, de toda a sociedade.
Para ajudar na vivência do espírito quaresmal, a Igreja nos convida a intensificar a prática da oração, do jejum e da caridade. Trataremos da Caridade, sobretudo a CARIDADE POLÍTICA, como nos alerta o Papa Francisco em sua encíclica Fratelli Tutti: “A política é a forma mais alta, maior, da caridade porque busca o Bem Comum. É a arte do encontro. O amor é político, isto é, social, para todos”.
Por vezes, numa leitura reducionista, podemos compreender a caridade como uma ação meramente assistencialista, emergencial, mas, não é! A Igreja do Brasil, retomando a doutrina social da Igreja, promove, anualmente, a Campanha da Fraternidade que trata de algum problema grave da sociedade, que exige profundas mudanças (emergenciais e estruturais) e que compromete todas as pessoas e instituições. Por isso, a campanha da Fraternidade é um gesto de caridade política, de amor ao próximo, que pode (e deve) ser assumida por todos/as nós: agentes de pastoral, sociedade civil, Igrejas, poderes públicos (executivo, legislativo, judiciário), iniciativa privada, enfim, todos e todas.
A Campanha da Fraternidade tem como objetivo permanente despertar a solidariedade no povo brasileiro em relação a um problema concreto que envolve toda a sociedade, buscando caminhos de solução. Pela terceira vez a Campanha da Fraternidade trata do problema da fome, chamando atenção para um dos pecados mais graves de nossa sociedade e convidando o conjunto da sociedade a se empenharem na superação dessa injustiça e desse crime que é um verdadeiro pecado que clama ao Céu: “Repartir o pão” (1975); “Pão para quem tem fome” (1985); “Dai-lhes vós mesmos de comer” (2023).
Neste ano, diante do retorno do Brasil ao Mapa da Fome e do quadro gravíssimo de fome que vivem nossos mais de 33 milhões de irmãos e irmãs brasileiros e brasileiras, sendo destes, 2,4 milhões de cearenses (Rede PENSSAN), a CF propõe SENSIBILIZAR a sociedade e a Igreja para enfrentarmos o flagelo da fome, por meio de compromissos que transformem essa realidade. “Eles não precisam ir embora, dai-lhes vós mesmo de comer” (Mt 14,16). Jesus nos convida a fazermos algo imediatamente, de forma coletiva, com a inclusão e corresponsabilidade de todos/as. A SOLUÇÃO É COLETIVA.
A fome não é um dado natural. Não é fruto do acaso ou do destino, ou castigo de Deus como consequência de preguiça ou comodismo pessoal. A FOME foi inventada pelos homens, como denunciava Josué de Castro e vivenciada por Carolina de Jesus, mulher, negra, catadora de material reciclável que sentiu no corpo e na alma, assim como outras milhões de mulheres, as mais atingidas, junto com as crianças. A fome é resultado das injustiças, desigualdades, da pobreza que caracterizam nossa sociedade. Daí a importância de nos voltarmos para erradicarmos as causas da fome.
Em face da realidade cearense, a Igreja Católica colabora no enfrentamento à fome desde sua instituição, sobretudo, através do trabalho das Pastorais Sociais e Organismos junto com os/as excluídos/as. Somos mais de 13 mil cearenses, agentes de pastorais que ao ouvirmos o clamor do nosso povo, nos fazemos presentes nos 184 municípios. Destacamos algumas ações de enfrentamento à fome, realizadas por nós durante o período mais grave da Pandemia (2020-2022):
1. Desenvolvemos a Ação Emergencial “É Tempo de Cuidar”, onde conseguimos arrecadar e distribuir mais de 500 toneladas de alimentos, cerca de 60 mil alimentos prontos (refeições), 46 mil peças de roupas, calçados e mais de 43 mil kits de higiene e limpeza beneficiando diretamente mais de 21 mil comunidades carentes em nosso estado;
2. Apoiamos e implantamos cozinhas comunitárias e solidárias em todo o estado, através das paróquias, grupos e associações comunitárias. Preliminarmente, identificamos nas 09 dioceses, mais de 150 experiências de produção, doação de alimentos e/ou refeições de forma sistemática. Ressaltamos que esse número não abrange o trabalho desenvolvido pelas congregações religiosas.
3. Formações cidadãs e qualificação profissional: centenas de iniciativas de formação e qualificação profissional com o público empobrecido, nas mais diversas áreas e temáticas;
4. Incidência Política para aprovação e regulamentação de leis e programas governamentais: Lei das sementes crioulas, Lei da Economia Solidária, Programa Auxílio Catador;
5. Implementação de tecnologias sociais de acesso e reuso de águas, casas de sementes crioulas, dentre outras;
Tais ações repercutiram positivamente na vida de mais de 550 mil cearenses: crianças, adolescentes, jovens mulheres; agricultores/as familiares; catadores/as de materiais recicláveis; migrantes e refugiados; população em situação de rua; povos e comunidades tradicionais (indígenas, quilombolas, pescadores/as); pessoas das periferias urbanas; encarcerados/as e familiares de pessoas em privação de liberdade.
Destacamos também, a importância do trabalho social e político dos movimentos sociais e populares, para o enfrentamento da fome. Contamos com a parceria do Movimento Sem Terra- MST; Movimento dos Trabalhadores Sem Teto – MTST; Movimento Indígena; Quilombola; de Mulheres e tantos outros que aos olhos do Papa Francisco são chamados de “poetas sociais”, por espalharem esperança e criatividade.
Ao assumirmos a ordem de Jesus “Dai-lhes vós mesmos de comer”, façamos ecoar entre nós, sentimentos, gestos e atitudes solidárias, de forma individual, familiar, comunitária e, sobretudo, coletiva através do PACTO CEARÁ SEM FOME.
Por isso, reafirmamos nossas ações com o desejo de ampliá-las, através do Pacto e conclamamos a todos/as irmãos/ãs cearenses, gestores públicos, sociedade civil organizada a integrarem. Propomos QUATRO COMPROMISSOS para este grande Pacto:
1. “Olhem o mundo com os olhos do pobre”, como nos pede o Papa Francisco. Para isso, coloquem o POBRE NO ORÇAMENTO PÚBLICO E PRIORIZEM A EXECUÇÃO ORÇAMENTÁRIA! De forma integral, contínua, nas mais diversas áreas, não somente como “beneficiários da política de assistência social”. Essa deve ser a porta de entrada. A opção preferencial pelos pobres, assumida pela Igreja Latino-americana deve se fazer presente em vossos gestos, atitudes e políticas;
2. Inspirados nos princípios de solidariedade, fraternidade e autonomia, priorizemos a ECONOMIA SOLIDÁRIA, DO CUIDADO, pois o atual sistema mata e exclui. O caminho à nova economia passa essencialmente pelos pequenos. Ela deve estar a serviço da vida (CF 2010). É necessário garantir apoio, fomento, crédito e fortalecer a articulação entre os inúmeros empreendimentos econômicos solidários e redes de produção solidária espalhadas no Ceará.
3. INCENTIVAR A PERMANÊNCIA NO CAMPO E FORTALECER A AGRICULTURA FAMILIAR: com apoio, fomento e assessoramento técnico para os/as agricultores/as familiares; aquisição simplificada dos produtos da agricultura familiar através das compras governamentais; retomada da implementação das tecnologias sociais de acesso à água e reuso.
4. INVESTIR NAS PERIFERIAS DAS CIDADES. (Re)conhecer suas lutas, resistências e criatividade. Que cheguem TODAS as forças políticas e as políticas públicas nas periferias. Não somente a de segurança pública, mas em especial de infraestrutura, habitação, educação, saúde, trabalho e renda, esporte e lazer.
Certamente, nenhuma pessoa ou comunidade pode resolver o problema da fome de forma isolada, mas através deste PACTO acreditamos ser possível, como nos deseja Papa Francisco em sua mensagem enviada sobre a Campanha da Fraternidade 2023: “desejo igualmente que esta conscientização pessoal ressoe em nossas estruturas paroquiais e diocesanas, mas também encontre eco nos órgãos do governo a nível federal, estadual e municipal, bem como nas demais entidades da sociedade civil, a fim de que, trabalhando todos em conjunto, possam definitivamente extirpar das terras brasileiras o flagelo da fome”.
Por fim, convidamos a todos/as a participarem da Coleta Nacional da Solidariedade, realizada dia 02 de abril, Domingo de Ramos. Todo o recurso financeiro arrecadado será destinado a ações de combate à fome em todo o Brasil.
Nossos agradecimentos a todos que aceitaram e aos que aceitarão o convite de Jesus Cristo. E, pedimos bênçãos a São José, padroeiro do Ceará para esta missão.
Patrícia Amorim
Coordenadora da Equipe de Campanha do Regional NE1