Pela importância do tema, seria necessário um trabalho científico, porque é impensável qualquer entendimento neste campo espiritual, sem uma compreensão, no mínimo básica, do deserto como lugar de Deus. Infelizmente, a falta de um tempo suficiente e, mais ainda, das fontes que são necessárias, não favorecem a realização deste ideal. Quando falamos de deserto, vem logo na mente à imagem do Bem Aventurado Charles de Foucauld, na sua bela afirmação: “É na solidão, vivendo somente com Deus, no recolhimento profundo da alma que esquece o que existe para viver só em comunhão com Deus, onde Deus se entrega totalmente a quem se abandona totalmente a ele”.
Precisamos de sabedoria para compreender os sinais de Deus. Não podemos também prescindir de um espírito perseverante e ao mesmo tempo corajoso para entrar na nossa própria humanidade, no sentido de compreendermos as diversas tentativas de fugas do absoluto de Deus, sobretudo, na certeza de que ele é Pai e nos acompanha sempre, por toda parte, mesmo quando tentamos nos distanciar dele (cf. Rm 8, 35-39). Daí é que vem a confiança e a certeza de que ele não se separa de nós; nunca e jamais perde a paciência para conosco.
O deserto deixou em Charles de Foucauld uma marca indelével. Ele dizia: “É necessário passar pelo deserto e nele permanecer para receber a graça de Deus: é no deserto que nos esvaziamos de nos desprendermos de tudo o que não seja de Deus […].” É por isso mesmo que compreendemos que de sua incredulidade, indiferença, egoísmo e impiedade, caiu nas mãos de Deus. Foi arrebatado e seduzido por Jesus de Nazaré, que o tornou o único e o maior tesouro de sua vida. “Se alguém está em Cristo é uma nova criatura. Passaram-se as coisas antigas” (2Cr. 5, 17).
Charles de Foucauld nasceu na França e viveu de 1858 a 1916. No dia 30 de outubro de 1886 se submeteu a vontade de Deus, ajoelhando e confessando os seus pecados. Experimentou uma alegria inexprimível, a alegria do Filho pródigo. Foi beatificado no dia 13 de novembro de 2005 pelo Papa Bento XVI.
Seu testemunho e sua mística encantaram os seus seguidores no mundo inteiro, numa grande paixão e fascínio por Jesus de Nazaré, concretizado no amor e na solidariedade para com os que estão longe do convívio social, os empobrecidos e excluídos, buscando na Eucaristia a força necessária para concretizar o projeto de amor do Pai. O Beato Charles de Foucauld, indo habitar e levando a Eucaristia para os irmãos no Deserto do Saara, tornou-se o homem da ternura e da compaixão, com uma enorme vontade de ser amigo de todos, bons e maus, de amar a todos, indistintamente e ser de verdade o irmão universal. Toda sua vida foi um profundo ato de amor: “Tão logo que acreditei que existia um Deus, compreendi que não podia fazer outra coisa, senão viver só para ele”.
O caminho da contemplação e da oração torna-se itinerário dos seus seguidores e admiradores. Ele sempre se colocou no último lugar, com sua vida em harmonia com o Evangelho, reservada e discreta, não se esforçando para converter ninguém, mas querendo fazer uma única coisa: “proclamar bem alto o Evangelho com a própria vida”. A vida do Bem Aventurado Charles de Foucauld, com seu martírio, no dia 1º de dezembro de 1916, não foi um valor em si mesmo. Mas foi consequente, com muitos motivos, ao entrar numa profunda sintonia com Deus, na coragem do heroísmo profético, chamando nossa atenção para o conflito, porque mergulhar no Evangelho é mergulhar nos conflitos e nas tempestades (cf. Mt 14, 26-32).
O grande mérito do Irmão Charles de Foucauld foi viver o Evangelho no meio dos conflitos e das tempestades, distanciando-se da “bondade”, como era conhecida no seu tempo. Não se contentando e até se indignando com o anúncio do Evangelho que não satisfaz, não converte e não transforma. Procurou assemelhar-se a Jesus de Nazaré em tudo, sobretudo, na paixão e no calvário. Seu martírio foi consequência da sua opção pelo Evangelho e a justiça do Reino.
Charles de Foucauld traçou um caminho para os seus seguidores, propondo-lhes o caminho da cruz e do Evangelho. Portanto, ao ouvir algo do irmão querido, com sua vida e seus escritos, é impossível permanecer na indiferença. Ele nos conduz e nos arrasta ao seguimento de Jesus de Nazaré, seu “bem-amado no Senhor”.
Cristo precisa de nós, não como admiradores, cheios de sentimentos, mas como seguidores. Que a voz profética desse irmão muito querido não cale jamais e que as pessoas de boa vontade se inspirem no Irmão Universal para descobrir o caminho da contemplação e da oração, o caminho de Deus, tão bem percorrido pelo querido irmão Charles de Foucauld, o deserto como lugar sagrado e de Deus.
Pe Geovane Saraiva
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Autor dos livros:
“O peregrino da Paz” e “Nascido Para as Coisas Maiores” (centenário de Dom Helder Câmara).
“A Ternura de um Pastor” (homenagem ao Cardeal Lorscheide)
“A Esperança Tem Nome” (espiritualidade e compromisso)