Dom Aloísio: restos mortais

Padre Geovane Saraiva*

Do Cristo que desceu do céu e se encarnou na história humana, entende-se a grande novidade, no tempo em que já se encerrou, pelo Reino que foi instaurado: pecados são perdoados, enfermos são curados, tempestades são acalmadas, sem esquecer a fome saciada e os sinais de morte superados e desafiados. É o sinal evidente, pelo qual se manifesta o Senhor da Vida e da História, indicando-nos a plenitude da reconciliação de todos em Cristo. No que parece impossível e insaciável, portanto, é que se revela o possível, na descomunal e insuperável obra e graça amorosa de Deus.

A população católica de Fortaleza se prepara para acolher parte dos restos mortais de Dom Aloísio Lorscheider, nos 11 anos de sua morte (23/12/2007), ele que daqui foi arcebispo entre 1973 e 1995. Que maravilha registrar que Dom Aloísio sempre carregou consigo o mais elevado espírito de tolerância! Ele considerou o povo cearense, com sua história, realidade e cultura, tornando-se seu patrimônio. Ao mesmo tempo, estimulou-o a ser sujeito e protagonista de sua própria história. Acolhida de um irmão muito querido, nosso querido pastor, que na sua coerência profética e docilidade franciscana, ajuda-nos no encontro com a pessoa de Jesus Cristo, presente imperscrutável e edificante, do ponto de vista da fé e da esperança.

Que seja com o mesmo espírito, o de fé e esperança por ele vivido, na gratidão e aberto à novidade do Reino, que ultimamente venho acentuando nos meus artigos, que sejam acolhidos os seus restos mortais, mas penetrando em profundidade no indizível mistério de Deus e no mistério da nossa condição humana. É claro que, na estrada exigente da vida, nas mais diversas circunstâncias, em que nos foram e são apresentadas as forças do mal; os cristãos da Igreja de Fortaleza, do Ceará e do Brasil, agradecidos, contou com Dom Aloísio.

Por considerar pertinente, venho, a propósito, recordar o que alhures registrei a seu respeito: “Em sua capacidade de dialogar com as classes sociais, e no seu amor para com os empobrecidos, permaneceu humilde, serviçal, sendo um irmão entre irmãos. Doçura e ternura em pessoa, alegria constante, posições corajosas e determinadas, ao mesmo tempo, pregava e anunciava o Evangelho com coragem profética e grande sabedoria. Ele sempre carregou, no seu grande coração, as alegrias, as esperanças, as tristezas, as angústias e os sofrimentos de sua querida gente” (cf. GS 200). Além de travar uma luta, sem jamais se cansar, por redemocratização, liberdade de expressão, dignidade da pessoa humana e fim da tortura em nosso querido Brasil.

Dom Aloísio, ao se tornar Arcebispo de Fortaleza, logo de início, afirmou: “A comunidade eclesial não é feudo do bispo, mas ele é o servidor de uma Igreja que se entende a si mesma como sacramento do Reino, isto é, da presença da verdade e do amor infinito de Deus para com cada criatura humana”.

Daí ele não compreender como algo natural e normal conviver com a miséria e o acentuado empobrecimento do povo, que tinha, como consequência, o êxodo, o flagelo e a morte de muitos irmãos, levantando sua voz de profeta para dizer que não era vontade de Deus a realidade aqui encontrada e, ao mesmo tempo, usou de todos os meios com uma enorme vontade de transformar essa mesma realidade, marcando profundamente a história do nosso Ceará.

“Em pleno regime de exceção, a sociedade cearense logo sentiu os efeitos dessa guinada. As camadas desfavorecidas ou marginalizadas – os sem-terra, os sem-teto, os presos políticos, os presidiários comuns, os trabalhadores em greve – ganharam aliado de peso” (Fernando Ximenes).

*Padre, Jornalista, Colunista e Pároco de Santo Afonso, Parquelândia, Fortaleza-CE. Da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza

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