Dom Helder: poeta e sonhador

Jesus quer lucidez e responsabilidade por parte dos cristãos, além de fé e esperança. Como seria bom se a paz fosse um desejo de todos, fruto da vivência do Evangelho, e que, consequentemente, levasse as pessoas à conversão do coração! Mas, ao olharmos para o nosso o mundo hedonista, com ausência de compromisso em todos os sentidos e uma grande carência de heroísmo na fé, que supõe uma luta interior, saibamos olhar Dom Helder como fonte inspiradora, convictos de uma vida bem melhor aqui na terra, no sonho daquela mais elevada dignidade dos filhos de Deus.

No time dos poetas e sonhadores, encontra-se Dom Helder Câmara como titular, pastor da ternura, da esperança, e peregrino da paz. Mas ele foi muito mais; foi um santo, já declarado Servo de Deus pelo Papa Francisco em 2015, vendo-o com uma criatura humana, sábia, forte e corajosa, com heroicas virtudes comprovadas. Seu grande sonho foi o do impossível, aos olhos de Deus, tornar-se possível: “Quem aceita o impossível como uma realidade e acolhe o mistério como quem bebe água? Sem dúvida, as crianças, os embriagados, os loucos, os poetas e os santos”.

Convencidos sempre mais devemos estar de que o pastor dos empobrecidos alimentou-se da esperança, e que seu exemplo alimente as pessoas com a mesma esperança, a partir de Jesus de Nazaré, dizendo não ao fatalismo e ao desânimo, diante de uma irreal e falsa paz, e mesmo resignar, ao se deparar com difíceis situações. Ao contrário, estejam empenhados e animados, num espírito construtivo e vivificador, através de gestos concretos, movidos por uma mística apaixonada e de forte inspiração, na busca solidária de que um mundo melhor é possível, num claro “não” ao imobilismo, tão avesso e longe do projeto do nosso Deus e Pai.

A paz tão sonhada pela pessoa humana tem seu fundamento na Palavra de Deus, em oposição ao pacifismo ingênuo e sentimental que envolve o nosso mundo de hoje. Jesus disse que, por causa dele, haveria lutas, conflitos de divisões. É só olhar o início de sua vida, quando ele foi apresentado no templo, quarenta dias após o seu nascimento. Lá, o velho Simeão profetizou: “Eis que este menino foi colocado para a queda e para o reerguimento de muitos em Israel, e como sinal de contradição” (Lc 2, 34).

Só mesmo convencidos do fogo do amor de Deus é possível perceber sinais do Reino de Deus, seguir a Jesus de Nazaré, num desejo ardoroso de colocar lenha na fogueira desse amor, para que o fogo, aceso por Cristo, possa arder sempre e cada vez mais neste mundo, tendo como consequência uma radical transformação (cf. Lc 12, 49-53). Como é maravilhoso o sonho de Deus como revolução profunda e inigualável! Muito além das revoluções econômicas, tecnológicas e sociais; revolução que transforme de verdade as consciências da criatura humana, fazendo-as construtoras da paz.

O fogo do amor de Deus parece sonho e utopia, mas é Deus mesmo dizendo-nos de não apagar as luzes e nada de sono profundo. Dom Helder soube acreditar, sem jamais perder a esperança, e por isso mesmo foi acusado de utópico e sonhador, porque se aproximava do “cavaleiro andante”. Respondendo, ele disse: “Comparar-me a Dom Quixote, está longe de ser uma nota depreciativa”. E acrescentou: “Ai do mundo se não fosse a utopia, ai do mundo se não fossem os sonhadores”.

Pe. Geovane Saraiva

*Pároco de Santo Afonso e vice-presidente da Previdência  Sacerdotal, integra a  Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza – [email protected]

 

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