Retomamos o testemunho da Igreja que, desde seus inícios, anuncia a todo o mundo o Evangelho da Redenção em Cristo Jesus.
Como iniciou São Pedro, dando o seu testemunho no dia do primeiro Pentecostes cristão: “22 Homens de Israel, escutai estas palavras: Jesus de Nazaré foi um homem credenciado por Deus junto de vós, pelos milagres, prodígios e sinais que Deus realizou entre vós por meio dele, como bem o sabeis. 23 Deus, em seu desígnio e previsão, determinou que Jesus fosse entregue pelas mãos dos ímpios, e vós o matastes, pregando-o numa cruz. 24 Mas Deus o ressuscitou, libertando-o das angústias da morte, porque não era possível que ela o dominasse.”
Este testemunho percorre a história da humanidade desde então e chega como Evangelho – Boa Notícia – até os confins da terra, a toda criatura.
Este anúncio traz em si a realidade mais estupenda que poderia existir: o dom de Deus a toda a sua criação, na recondução da humanidade aos seus desígnios de amor.
Do Papa Francisco, hoje ouvimos a atuação deste anúncio bendito: “Todos os anos, esta liturgia cria em nós uma atitude de espanto, de surpresa: passamos da alegria de acolher Jesus, que entra em Jerusalém, à tristeza de o ver condenado à morte e crucificado. É uma atitude interior que nos acompanhará ao longo da Semana Santa. Abramo-nos, pois, a esta surpresa.”
Pode ainda ser surpresa o anúncio da Páscoa da Ressurreição de Jesus Cristo?
Continua o Papa Francisco: “Jesus começa logo por nos surpreender. O seu povo o acolhe solenemente, mas Ele entra em Jerusalém num jumentinho. Pela Páscoa, o seu povo espera o poderoso libertador, mas Jesus vem cumprir a Páscoa com o seu sacrifício. O seu povo espera celebrar a vitória sobre os romanos com a espada, mas Jesus vem celebrar a vitória de Deus com a cruz. Que aconteceu àquele povo que, em poucos dias, passou dos «hosanas» a Jesus ao grito «crucifica-o»? Que sucedeu? Aquelas pessoas seguiam uma imagem de Messias, e não o Messias. Admiravam Jesus, mas não estavam prontas para se deixar surpreender por Ele. A surpresa é diferente da admiração. A admiração pode ser mundana, porque busca os próprios gostos e anseios; a surpresa, ao contrário, permanece aberta ao outro, à sua novidade. Também hoje há muitos que admiram Jesus: falou bem, amou e perdoou, o seu exemplo mudou a história, e coisas do gênero. Admiram-no, mas a vida deles não muda. Porque não basta admirar Jesus; é preciso segui-lo no seu caminho, deixar-se interpelar por Ele: passar da admiração à surpresa.
E qual é o aspeto do Senhor e da sua Páscoa que mais nos surpreende? O fato de Ele chegar à glória pelo caminho da humilhação. Triunfa acolhendo a dor e a morte, que nós, submetidos à admiração e ao sucesso, evitaríamos. Ao contrário, Jesus «despojou-se – disse São Paulo –, humilhou-se» (Flp 2, 7.8). Isto surpreende: ver o Onipotente reduzido a nada; vê-lo, a Ele, Palavra que sabe tudo, ensinar-nos em silêncio na cátedra da cruz; ver o Rei dos reis que, por trono, tem um patíbulo; ver o Deus do universo despojado de tudo; vê-Lo coroado de espinhos em vez de glória; vê-Lo, a Ele bondade em pessoa, ser insultado e vexado. Por que toda esta humilhação? Por que permitistes, Senhor, que Vos fizessem tudo aquilo?
Ele o fez por nós, para tocar até ao fundo a nossa realidade humana, para atravessar toda a nossa existência, todo o nosso mal; para Se aproximar de nós e não nos deixar sozinhos no sofrimento e na morte; para nos recuperar, para nos salvar. Jesus sobe à cruz para descer ao nosso sofrimento. Prova os nossos piores estados de ânimo: o falimento, a rejeição geral, a traição do amigo e até o abandono de Deus. Experimenta na sua carne as nossas contradições mais dilacerantes e, assim, as redime e transforma. O seu amor aproxima-se das nossas fragilidades, chega até onde mais nos envergonhamos. Agora sabemos que não estamos sozinhos! Deus está conosco em cada ferida, em cada susto: nenhum mal, nenhum pecado tem a última palavra. Deus vence, mas a palma da vitória passa pelo madeiro da cruz.
Da antiga tradição da Igreja ouvimos de São Basílio Magno, bispo, respondendo ao porque e como: “O desígnio de nosso Deus e Salvador em relação ao homem consiste em levantá-lo de sua queda e fazê-lo voltar, do estado de inimizade ocasionado por sua desobediência, à intimidade divina. A vinda de Cristo na carne, os exemplos de sua vida apresentados pelo Evangelho, a paixão, a cruz, o sepultamento e a ressurreição não tiveram outro fim senão salvar o homem, para que, imitando a Cristo, ele recuperasse a primitiva adoção filial.
Portanto, para atingir a perfeição, é necessário imitar a Cristo, não só nos exemplos de mansidão, humildade e paciência que ele nos deu durante a sua vida, mas também imitá-lo em sua morte, como diz São Paulo, o imitador de Cristo: ‘Tornando-me semelhante a ele na sua morte, para ver se alcanço a ressurreição dentre os mortos (Fl 3,10)’.
Mas como poderemos assemelhar-nos a Cristo em sua morte? Sepultando-nos com ele por meio do batismo. Em que consiste este sepultamento e qual é o fruto dessa imitação? Em primeiro lugar, é preciso romper com a vida passada. Mas ninguém pode conseguir isto se não nascer de novo, conforme a palavra do Senhor, porque o renascimento, como a própria palavra indica, é o começo de uma vida nova. Por isso, antes de começar esta vida nova, é preciso pôr fim à antiga.”
Ainda Papa Francisco conclue sua reflexão sobre a vivência da morte e ressurreição com Cristo: “O Evangelho…, imediatamente depois da morte de Jesus, mostra-nos o ícone mais belo da surpresa. É a cena do centurião, que, «ao vê-lo expirar daquela maneira, disse: “Verdadeiramente este homem era Filho de Deus!”» (Mc 15, 39). Deixou-se surpreender pelo amor. De que maneira vira Jesus morrer? Viu-o morrer amando, e isto maravilhou-o. Sofria, estava exausto, mas continuava a amar. Eis aqui a surpresa diante de Deus, que sabe encher de amor o próprio morrer. Neste amor gratuito e inaudito, o centurião, um pagão, encontra Deus. Verdadeiramente era Filho de Deus! A sua frase chancela a Paixão. Muitos antes dele no Evangelho, admirando Jesus pelos seus milagres e prodígios, reconheceram-no como Filho de Deus, mas o próprio Cristo mandava-os calar, porque havia o risco de se deterem na admiração mundana, na ideia dum Deus que se devia adorar e temer enquanto poderoso e terrível. Agora já não há tal risco; ao pé da cruz, já não é possível equivocar-se: Deus revelou-se e reina só com a força desarmada e desarmante do amor.
Irmãos e irmãs hoje, Deus ainda surpreende a nossa mente e o nosso coração. Deixemos que nos impregne este assombro, olhemos para o Crucificado e digamos também nós: «Vós sois verdadeiramente Filho de Deus. Vós sois o meu Deus».”
E a todos nossos votos de Santa e Feliz Páscoa no Senhor Ressuscitado, Ele é a nossa Vida e a nossa Salvação, nossa Luz e Esperança de vitória. Com Ele, o Amor tudo venceu, vence e vencerá.
+ José Antonio Aparecido Tosi Marques
Arcebispo Metropolitano de Fortaleza