Editorial – dezembro 2020: Advento – vinda do Senhor

Chegando ao final de um ano marcado, sem dúvida, por acontecimento tão inesperado e pungente, como a pandemia que estamos vivendo. Coisa que fica muito em evidência é a fragilidade e a transitoriedade da vida humana. As certezas e firmezas em que, costumeiramente, se apoiam as atividades do dia a dia da história, tornam-se menos certezas e menos firmezas, quando tudo se manifesta frágil e transitório. De repente, o que parecia o chão firme onde apoiamos nossos pés e sobre o qual construímos o que pensamos seja definitivo, duradouro, o mesmo chão firme parece faltar a nossos pés, quando a ansiedade nos coloca diante do que poderá ser o fim de tudo, para nós ou para as pessoas que fazem o tecido de nossa própria existência; fim que poderá vir de um ser minúsculo e invisível a nossos olhos, um vírus que pode se mostrar mortal.

E todos somos chamados a cuidar do essencial, do fundamental, da Vida, porque tudo o que com ela possamos possuir, poderá desaparecer. E encontramos o tempo, tão intensamente gasto no produzir, no fazer, no acumular material, que agora nos sobra para o pensar, para a reflexão que o tempo de isolamento social e impossibilidade do agir corriqueiro, parecia não existir. Vivendo sempre fora, pouco nos deparávamos com nosso ser dentro.

E uma, quase que nova realidade, se nos apresenta: o sentido de nossa vida, da vida de cada e de todas as pessoas, do mundo em que vivemos, do tempo que nos é dado, das oportunidades que este dom da vida nos oferece para ser construtora do que permanece em meio a tantos andaimes e madeiramentos transitórios na construção da casa, do mundo, da humanidade que fica quando tudo o mais passa. E nada vale mais que o cuidar da vida em nós e em todos.

Este tempo de pandemia tormou-se um dom, não apenas um absurdo sofrimento sem sentido, mas oportunidade para o ser humano em sua realidade mais profunda. A vida é um dom e seu movimento é o Amor, que faz entrelaçamento de encontros, de relacionamentos, de doações contínuas, generosas e recíprocas. Como que redescobrimos que estamos todos juntos num só barco, que a vida não se vive e se realiza solitária, mas solidária. E os menores gestos, as mais pequenas sensibilidades, se enchem de cor e valor, pelo dom de si que se faz em cada um, e nos constrói em comunhão, humanidade, criação que continuamente se faz “do pensamento, das mãos, do coração do Criador”. Este Criador que se fez conosco, de nossa natureza humana, e nos veio recriar no mais profundo de nosso ser, na razão de nosso ser, no Amor.

É o que revivemos liturgicamente, no tempo inicial de um novo ano, de um novo começo, na graça amorosa que é nossa vida, nosso tempo, nossa história. Estamos no tempo chamado Advento, preparação para a chegada do Senhor.

Pensamos imediatamente na celebração do Natal: nasceu Deus entre nós num menino em que Ele mesmo se nos deu. É verdadeiramente Deus, também se faz verdadeiramente Homem, o Filho de Deus, Filho do homem. E traz com sua vinda na História da Humanidade, a perfeição de seu desígnio criador, a plenitude dos tempos, a plena realização da pessoa humana, de toda a humanidade, de toda a criação. E com sua presença de Amor, a solução para todas as alienações a que se entregou o homem perdido no que é apenas aparência, esquecido e esvaziado de coração. Comemoramos, sim, um fato histórico, o nascimento de Jesus de Nazaré em Belém de Judá. Vivemos a partir de então o que se torna a razão da História Humana, de toda a Criação: o Reino de Deus, Reino do Homem, na Comunhão Universal do Amor. A humanidade vive no seu tempo, oportunidade de eternidade. Vai se irrompendo nas oportunidades do transitório, o definitivo: obra de Deus e obra do homem – então “… Deus será tudo em todos.” (1Cor 15,28)

+ José Antonio Aparecido Tosi Marques
Arcebispo Metropolitano de Fortaleza

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