Gaudete et exsultate. Este o nome da Exortação Apóstolica do Papa Francisco: primeiras palavras do texto em latim e que significam “Alegrai-vos e Exultai”. Exortação, que quer dizer um conselho, um aviso, uma chamada de atenção. Apostólica, por vem do apóstolo, do enviado de Jesus para evangelizar, para levar a Palavra do Mestre e fazer discípulos.
“Alegrai-vos e exultai.” é uma citação bíblica do Evangelho segundo São Mateus, capítulo 5, versículo 12. Esta expressão está no final das bem-aventuranças que são ensinamentos fundamentais de Jesus a seus discípulos. Serão felizes mesmo quando perseguidos e humilhados por causa d’Êle.
Toda a exortação apostólica se refere à “ vocação universal à santidade” já proposta no Concílio Vaticano II em seu documento Lumen gentium no capítulo V. Todos em “a Igreja, (que) em Cristo, é como que o sacramento, ou sinal, e o instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano” , “quer pertençam à Hierarquia quer por ela sejam pastoreados, são chamados à santidade, segundo a palavra do Apóstolo: «esta é a vontade de Deus, a vossa santificação» (1 Tess. 4,3; cfr. Ef. 1,4).”
Como é o estilo e jeito do Papa Francisco, e como ele mesmo diz, não quer fazer um tratado sobre a santidade, mas retomá-la de modo simples e vivencial, como pode ser realizar na vida de todo cristão, seja qual for seu estado de vida ou profissão. A vocação à santidade é o grande chamado que o Pai faz à humanidade em seu Filho Jesus e no dom do Espírito Santo.
E o que é a santidade? Algo destinado a ser vivido por uma elite de pessoas? Somente dado a poucos? Não. O chamado de Deus a todas a suas criaturas humanas, como se dirigiu ao Povo Eleito destinado a levar a bênção divina a todos os povos, foi assim expresso já na Antiga Aliança com o povo de Israel: “Sede santos, porque Eu Sou Santo.” Lev. 11,44.
E o Papa Francisco: “Não pensemos apenas em quantos já estão beatificados ou canonizados. O Espírito Santo derrama a santidade, por toda a parte, no santo povo fiel de Deus, porque «aprouve a Deus salvar e santificar os homens, não individualmente, excluída qualquer ligação entre eles, mas constituindo-os em povo que O conhecesse na verdade e O servisse santamente O Senhor, na história da salvação, salvou um povo. Não há identidade plena, sem pertença a um povo. Por isso, ninguém se salva sozinho, como indivíduo isolado, mas Deus atrai-nos tendo em conta a complexa rede de relações interpessoais que se estabelecem na comunidade humana: Deus quis entrar numa dinâmica popular, na dinâmica dum povo. (G E 6.)
A santidade é chamado e graça de Deus dada ao homem e que espera dele a colaboração na realização de uma vida marcada pela verdade e o amor como manifestados em Seu Filho Jesus que realiza humanamente a vontade do Pai. Ele se torna o modelo e o autor da santidade nos que acolhem Sua Palavra e Seu Espírito. A santidade é a própria vida e perfeição de Deus, o Amor. Assim Jesus retoma a palavra do Antigo Testamento: “Sede perfeitos como o vosso Pai do Céu é perfeito” Mt 5, 48. E esta perfeição é a do Amor, da Misericórdia: “Sede misericordiosos como o vosso Pai do Céu é misericordioso.” Lc 6, 36. Assim a santidade se realiza nos gestos mais comuns dos relacionamentos humanos, gestos moldados na própria ação de Deus e manifestados em Jesus que dá a própria vida amando até o fim o Pai e a humanidade.
Esta é a causa maior da alegria e da exultação cristã: a realização da própria vida, da santidade de Deus. E assim afirma muito concretamente Papa Francisco, na esteira do Concílio Vaticano II, no seguimento autêntico do Evangelho de Jesus: “Para ser santo, não é necessário ser bispo, sacerdote, religiosa ou religioso. Muitas vezes somos tentados a pensar que a santidade esteja reservada apenas àqueles que têm possibilidade de se afastar das ocupações comuns, para dedicar muito tempo à oração. Não é assim. Todos somos chamados a ser santos, vivendo com amor e oferecendo o próprio testemunho nas ocupações de cada dia, onde cada um se encontra. És uma consagrada ou um consagrado? Sê santo, vivendo com alegria a tua doação. Estás casado? Sê santo, amando e cuidando do teu marido ou da tua esposa, como Cristo fez com a Igreja. És um trabalhador? Sê santo, cumprindo com honestidade e competência o teu trabalho ao serviço dos irmãos. És progenitor, avó ou avô? Sê santo, ensinando com paciência as crianças a seguirem Jesus. Estás investido em autoridade? Sê santo, lutando pelo bem comum e renunciando aos teus interesses pessoais.” (G E 14.)
Alegria e exultação de todos os que encontram um caminho de santidade nos ensinamentos de Jesus nas bem-aventuranças do sermão da montanha (cf. Mt 5). Ela é um caminho que parte da graça batismal e progride na vida até a consumação no Senhor.
Assim propõe o Papa Francisco: “Deixa que a graça do teu Batismo frutifique num caminho de santidade. Deixa que tudo esteja aberto a Deus e, para isso, opta por Ele, escolhe Deus sem cessar. Não desanimes, porque tens a força do Espírito Santo para tornar possível a santidade e, no fundo, esta é o fruto do Espírito Santo na tua vida (cf. Gal 5, 22-23). Quando sentires a tentação de te enredares na tua fragilidade, levanta os olhos para o Crucificado e diz-Lhe: «Senhor, sou um miserável! Mas Vós podeis realizar o milagre de me tornar um pouco melhor». Na Igreja, santa e formada por pecadores, encontrarás tudo o que precisas para crescer rumo à santidade. «Como uma noiva que se adorna com as suas joias» (Is 61, 10), o Senhor cumulou-a de dons com a Palavra, os Sacramentos, os santuários, a vida das comunidades, o testemunho dos santos e uma beleza multiforme que deriva do amor do Senhor. 16. Esta santidade, a que o Senhor te chama, irá crescendo com pequenos gestos. […] É mais um passo. … Sucede, às vezes, que a vida apresenta desafios maiores e, através deles, o Senhor convidanos a novas conversões que permitam à sua graça manifestar-se melhor na nossa existência, «para nos fazer participantes da sua santidade» (Heb 12, 10). Outras vezes trata-se apenas de encontrar uma forma mais perfeita de viver o que já fazemos: «há inspirações que nos fazem apenas tender para uma perfeição extraordinária das práticas ordinárias da vida cristã». [São Francisco de Sales, Tratado do Amor de Deus, VIII, 11] Quando estava na prisão (comunista no Viet Nam por nove anos), o Cardeal Francisco Xavier Nguyen van Thuan renunciou a desgastarse com a ânsia da sua libertação. A sua decisão foi «viver o momento presente, cumulando-o de amor»; eis o modo como a concretizava: «aproveito as ocasiões que vão surgindo cada dia para realizar ações ordinárias de maneira extraordinária».[Cinco pães e dois peixes: um jubiloso testemunho de fé no meio das tribulações da prisão (Milão 2014), 20]” (G E 15 – 17).
+ José Antonio Aparecido Tosi Marques
Arcebispo Metropolitano de Fortaleza