Uma conversa sobre devoção e fé (Primeira parte)
Os meses do ano são conhecidos popularmente por estarem associados a momentos festivos e de lazer. Janeiro e Julho são os meses das férias escolares. Fevereiro sinônimo de carnaval. Março, em forma de piada é tido como o início oficial do ano, pois no Brasil o ano só começa depois do carnaval. Abril é páscoa. Junho é famoso pelas festas juninas. Outubro por ser o mês das crianças. dezembro é natal. E maio, como é conhecido? O que é vivenciado no mês de maio?
Essas e outras perguntas foram temas de uma conversar com pároco da Paróquia Nossa Senhora de Fátima, Padre Ivan Souza. A entrevista realizada sobre o olhar cuidadoso da Virgem de Fátima, numa tarde calorosa de Fortaleza, é regada de emoção e de expressões de fé. Como nossa conversa foi longa, resolvemos dividi-la em três partes. Esperamos que essa entrevista, não seja simplesmente, mais uma informação. E sim um instrumento de estudo, de formação pastoral, de Evangelização.
A entrevista foi concedida à Alessandra Silva
Para começarmos, queria que explicasse o que é vivenciado no mês de maio. Como ele é conhecido. Porque ele é tão especial.
Padre Ivan – O mês de maio é muito chamativo por conta da história das noivas, da mulher, de Maria. Porém, pelos textos da liturgia, o mês destinado a Maria seria o mês de dezembro, que é o período do Advento. Esse tempo litúrgico, que fala da mulher que é capaz de transformar, da mulher que é capaz de aprender com Jesus, da mulher que é capaz de ser sinal de Deus. Mas, para nós popularmente convencionou o mês de maio como o mês das noivas. Os casamentos eram todos celebrados nesse período. Agora, os casamentos acontecem, sobretudo, no período de férias. No entanto o mês de maio ainda diz muito das mulheres, das flores, das noivas, das mães. Está relacionado à devoção, à novena, a um voltar-se para Nossa Senhora.
O relacionamento dos católicos com a Mãe de Jesus é criticado por alguns, por acharem que existe certo exagero. Quando se fala no mês de maio, as críticas aumentam. Então é um exagero a devoção a Nossa Senhora?
Padre Ivan – Eu penso que cada vez que nos aproximamos de Nossa Senhora, cria-se em nós um sentido de vida. Por isso, quem está perto de Maria não está distante de Jesus. E quem está com Jesus não está distante de Maria. Estar com Jesus e estar com Maria também. Por que ela é aquela que cuida da vida. E aí, eu acho que não é exagero. Porque ninguém pode nos questionar, ninguém pode dizer que não é verdade, que o sangue de Jesus não passou pelo sangue de Maria. A partir do ventre, o sangue de Maria passou pelo sangue de Jesus. E, consequentemente, o sangue de Jesus passou pelo sangue de Maria. E aí está o sinal de Mãe que é aconselhadora, auxiliadora e protetora.
Gostaria que o Senhor explicasse melhor essa relação maternal, que se tem com a Virgem Maria.
Padre Ivan – Você vê que a maioria dos filhos, sobretudo nós que passamos pela adolescência, e assim podemos falar por vivência. Que quando queríamos pedir alguma coisa ao pai, primeiro a gente ia pedir a mãe. A gente falava assim: mãe me dê isto ou mãe fala com papai ou mãe facilita isto. Isso acontece por que a mãe também é como útero. E o útero é como uma matriz, aquela que gera. Por isso que eu digo que não é um exagero, no sentido de que é preciso a gente compreender esta maternidade de Maria. Essa maternidade que atravessa todo o materialismo, o socialismo, o capitalismo e a globalização. Quer dizer que todas estas coisas não conseguiram acabar com essa relação.
E quais os sinais que indicam que essa relação maternal não se esgotou?
Padre Ivan – Quando a gente pensava que, neste século, fosse diminuir a questão da espiritualidade, apareceram diversas formas de expressões de fé. Umas que a gente aprova e outras que não se aprova. Mas o culto a Virgem Maria, para mim, nasce dessa genuína fé que recebendo ao longo dos anos, pela vivência no meio do povo e no meio da comunidade. Por isso, precisamos compreender e respeitar cada gesto de fé. E mesmo sem entender, respeitar o porquê que as 4h30min da manhã, na Avenida 13 de maio, já tem engarrafamento. Isso acontece todos aos dias 13 independente do mês. Mesmo com chuva às 4h30min a Igreja já esta lotada. Isso mostra que há algo mais, que não é só uma alienação, um comodismo, uma promessa, uma busca de solução para um problema. Tem algo a mais.
E o que seria esse algo a mais, que perpassa a razão, a compreensão?
Padre Ivan – Eu penso que aí ao redor de Nossa Senhora, como mulher, tem uma mística. E a mulher tem muito disso. É mais sensível, ela é mais detalhista. Se você me perguntasse hoje, Padre quem você contrataria como funcionário da Igreja, mulher ou homem? Eu responderia de imediato, mulheres. Porque as mulheres são mais detalhistas, são mais sensíveis. As mulheres veem as coisas longe. E Maria tem muito disso. Não é que nós homens não tenhamos. A gente tem menos, a gente consegue olhar menos. As mulheres veem mais detalhes. Por exemplo, se o namorado sai e chega com um fiapo na roupa, de longe a namora vê, vai lá e tira. Caso ele chegue com um perfume diferente, rapidamente ela comenta: este perfume não é seu. Já o homem não percebe esses detalhes.
E quais as motivações que trazem as pessoas para o Santuário?
Padre Ivan – As buscas são diversas, por exemplo: alguns chegam aqui (na Igreja), afirmando “esta é minha tábua de salvação”, “é a minha última esperança”, “minha última esperança é aqui”. Mas, têm aqueles que vêm por conta das promessas. Outros, por uma questão de fé, por uma questão, de aprendizagem. Por isso, que esta amizade com Nossa Senhora, e toda esta presença aqui, exige de nós um entendimento a respeito da religiosidade popular. E, sobretudo, a religiosidade popular diante dos santuários. Pois, os santuários parecem um lugar místico, que a gente não sabe explicar ao certo. Mas tem algo místico nesse pedaço de chão aqui.
Falando do aproximar-se de Maria, qual seria a melhor forma de uma aproximação sem exageros?
Padre Ivan – Essa é uma pergunta importante. Lembro, que a construção da imagem, de Nossa Senhora de Fátima, aqui da praça gerou muita confusão. Alguns evangélicos queriam retirar a imagem, alegando que o espaço é público. Isso mostra que há aqueles que têm uma aproximação, mas também têm outros que são afastados. Então, eu acho que uma das melhores maneiras de compreender Maria, é percebê-la como corredentora.
Corredentora! Como assim?
Padre Ivan – O convite que Deus faz a Maria, lhe dar uma missão muito especial. Ela está em pé de igualdade com Cristo. Não por que ela é Cristo ou Cristo é Maria. Cada um tem sua função, cada um tem sua ação dentro da história da salvação. Mas Maria tem uma Missão, tão importante, a partir da anunciação do anjo. Ao responder “eis aqui a serva do senhor”, Ela se colocou a serviço, se dispôs. Eu compreendo Maria, no sentido que a gente seja disponível na comunidade. Onde sejamos disponíveis na história que nós realizamos. E que se tenha compromisso com esta história.
Eu gostaria que o Senhor explicasse melhor essa relação com a comunidade. Esse demonstrar compromisso com a história.
Padre Ivan – Hoje, (na Paróquia) nós compreendemos Maria como a abertura do Santuário. Longe de nós fazer um Santuário fechado, uma redoma. Onde três ou quatro pessoas mandam. O que queremos é abrir o santuário para a cidade de Fortaleza, para o mundo. Para dizer: olha aqui, nós também temos a oportunidade de sentir a fé, de viver a fé, de compreender a fé. É nesse sentido que se dará nossa aproximação com Maria. E essa aproximação irá acontecer pela contemplação e pela ação.
E como seria essa contemplação?
Padre Ivan – Seria contemplar a imagem de Maria, como se contempla a Mãe. Assim como o esposo contempla a esposa, como o namorado contempla a namorada e como Deus contemplou a figura de Maria. Da mesma forma que Deus se agradou da Criação. É assumir a frase “façam tudo o que Ele disser”, “tudo o que Ele mandar”. É assumir a vontade de Nossa Senhora. Aí eu me pergunto: por que temos 120 mil pessoas nas ruas, no dia 13 de maio? E um dia meu pai (que não tem estudo, que não tem muito conhecimento) me disse: “meu filho esta questão, de muita gente, é a mãe que chama para acompanhar o filho dela”. E é isso mesmo; é a Mãe que nos chama ao Filho. Quem está em evidência é o Filho. É o Filho que estará na mesa (altar), que vai acolher este povo. Sendo assim, a aproximação se dá desta duas formas: pela contemplação e pela ação.
Você colocou que temos duas maneiras de nos aproximarmos de Maria. Uma pela contemplação e outra pela ação. Então pergunto: as duas maneiras estão associadas? Como?
Padre Ivan – Quando você contempla Maria a partir de textos, das orações, das Ave-Marias a partir do Evangelho, você vai compreendendo que esta contemplação, nesta oração, você também tem uma ação para desenvolver na sociedade. É preciso desenvolver a cidadania, à exemplo de Maria que é capaz de atender o povo na hora que faltou vinho. Que é capaz de acolher as pessoas, na hora de uma necessidade. Então Maria é aquela que cidadã perfeita. E que não abre mão da sua cidadania, de sua fé. Porque na cruz Ela poderia ter fugido. Mas Ela não foge em nenhum momento.
Respostas de 2
Prabéns pela entevista Pe. Ivan, nos do shalom de Fátima nos alegramos por esta bela entrevista.
Pe. Ivan, nosso Pároco que canta com a alma. Parabéns pela iluminada entrevista!