O Papa Bento XVI expressou sua preocupação nos últimos tempos, com uma espiritualidade cristã extremamente intimista, que não pensa no outro. Cito apenas dois momentos em que esta afirmação acontece: a primeira na Carta Encíclica sobre a Esperança Cristã (SPE SALVI, abreviatura SS), datada de 30 de novembro de 2007 e a segunda a Mensagem do Papa para a quaresma deste ano.
De início, ressalte-se que a dinâmica do cristianismo se baseia na Esperança. O cristão deve ser sempre o homem e a mulher de esperança, porque o fundamento da nossa fé é a ressurreição, a esperança.
Entenda-se também que o Papa afirma que esta é “uma palavra central da fé bíblica, a ponto de, em várias passagens ser possível intercambiar os termos “fé” e “esperança”(SS, n. 2) e que o Evangelho não é apenas “informativo”, mas “performativo”, ou seja, transformador, a esperança muda a vida. (SS 2 e 4).
Depois de explicitar o conceito de esperança baseada sobre a fé no Novo Testamento e na Igreja primitiva, (SS. nn. 4-9 ), o Papa pergunta: “Para nós hoje a fé cristã é também uma esperança que transforma e sustenta a nossa vida? Para nós ela é “performativa” que plasma de modo novo a própria vida, ou é simplesmente “informação”, que entretanto pusemos de lado porque nos parece superada por informações mais recentes? (SS.n. 10).
Para o foco da nossa reflexão, a Carta faz uma afirmação polêmica para os nossos dias, para a compreensão de salvação: ” a salvação foi sempre considerada uma realidade comunitária… e que não é necessário nos ocupar de todos os textos, nos quais transparece o caráter comunitário da esperança” (SS 14). Esta referência é complementada com uma pergunta sobre o individualismo da salvação. A esperança só para mim não é uma esperança verdadeira porque esquece e descuida dos outros.(SS 28). Daí a necessidade de uma comunhão com Jesus Cristo e sua proposta, porque ele compromete-nos a ser para os outros … indicando mais ainda que, o amor de Deus revela-se na responsabilidade pelo outro. (SS 28).
A outra reflexão, bastante significativa está na Mensagem do Papa para a Quaresma deste ano. Toma como referência a Carta aos Hebreus (10,24), “Prestemos atenção uns aos outros, para nos estimularmos ao amor às boas obras” No comentário sobre este texto, o Papa chama a atenção para “estarmos atentos uns aos outros, a não se mostrar alheio e indiferente ao destino dos irmãos. Continua: Mas, com freqüência, prevalece a atitude contrária: a indiferença, o desinteresse… A Sagrada Escritura adverte contra o perigo de ter o coração endurecido por uma espécie de “anestesia espiritual”, que nos torna cegos aos sofrimentos alheios.”
Tomando as indicações até aqui apresentadas fica uma pergunta de cunho pastoral e possibilidade de saídas: Como concretizar esta referência central do cristianismo, amor a Deus e ao próximo em nossas Paróquias, marcadas por uma configuração eclesial que perdeu esta referência e anda preocupada com outras expressões? Em primeiro lugar olhar para a realidade mas também conhecê-la e observar: onde estão os pobres de nossas Paróquias e qual a nossa presença junto a eles, para além do emergencial. Em segundo lugar, seguir as indicações da CNBB ( Diretrizes Gerais, 2011-2015 – Doc. 94 ), quando apontam as cinco urgências da ação evangelizadora. A quinta urgência é construir uma Igreja a serviço da vida plena para todos. Neste documento afirma que o mundo é marcado por inúmeras formas de exclusão e que ” a Igreja, em todos os seus grupos, movimentos e associações, animados por uma Pastoral Social estruturada, orgânica e integral, tem a importante missão de defender, cuidar e promover a vida, em todas as suas expressões… começando pelo respeito à dignidade da pessoa humana (cf. n. 106 e 107).
Portanto, de fato a ressurreição que é o motor da vida concreta dos cristãos, que acreditam que o Evangelho das Bem Aventuranças, é a afirmação da felicidade para todos, não resta outro caminho a não ser mudar nosso estilo de ser Igreja, para assim, caminharmos na direção do seguimento de Jesus Cristo, partindo Dele.
Lembrem-se, uma autêntica esperança se revela na preocupação com o outro.
*Diretor Geral e Professor da Faculdade Católica de Fortaleza.
Artigo publicado no Jornal o Povo do dia13 de maio de 2012 – Espiritualidade