Cinco anos atrás a Revista VEJA (cf. 4/6/08, p. 160) publicou um artigo titulado “Stress no Claustro”, apresentando os resultados de uma pesquisa realizada aqui no Brasil pelo “International Stress Management Association” (ISMA), onde 1.600 profissionais das cinco regiões brasileiras concluíram que os religiosos sofrem pressões semelhantes, e até maiores, às de outras categorias reconhecidamente propensas ao stress, como executivos, policiais, médicos do setor da emergência, controladores de vôo, atendentes de telemarketing etc. Chama-se “burnout” o termo anglo-saxão que é caracterizado pelo esgotamento físico, psíquico e emocional, em decorrência de trabalho estressante ou excessivo de uma pessoa que fica num estado de exaustão causado pelo prolongado estress. Não há dúvida de que muitos padres e religiosos hoje estão estressados e alguns beirando ao “burnout”.
Quais são as causas de stress no padre? Podemos citar as seguintes: (a) um desgaste físico com um padre tentando atender todas as exigências de uma paróquia; (b) a precária situação econômica para um contingente significativo de padres (preocupação com a saúde e aposentadoria etc); (c) a diminuição do prestígio e do status da vida religiosa; (d) a difícil convivência da religião com a secularização e laicismo da sociedade na Modernidade e Pós-Modernidade; (e) um desgaste intelectual com muitos padres impossibilitados de fazer cursos adequados de reciclagem, atualização ou novos cursos (por ex. mestrado, doutorado, ou psicologia etc.); (f) um esgotamento nervoso resultando em impaciência e desânimo causado pelo prolongado expediente de trabalho e intercâmbio diário com os paroquianos; (g) Um desgaste afetiva porque “Para o padre converge muita afetividade, excitação e até agressividade e ele, assim como outros profissionais, às vezes tem dificuldades em lidar com esta situação”; (h) certo tipo de isolamento, especialmente entre o clero diocesano trabalhando em paróquias no interior causando assim desânimo, com alguns poucos tornando adicionados ao alcoolismo, ao sexismo, compulsivos à internet ou televisão; (i) muitos trabalhos paroquiais que são enormemente burocráticos, repetitivos e freqüentemente estressantes em si, muitas vezes oferecendo pouco ou nenhum retorno de gratificação; (j) a vida celibatária exige muito do padre, e se ele não tem clareza e convicção de sua opção e de seu carisma ele terá uma vida estressante nesta área; (k) há desgastes na convivência institucional entre os padres, seus provinciais e seus bispos, e entre párocos e seus vigários paroquiais etc. (l) falta de tempo para viver sua vida espiritual adequadamente. (m) a vida do padre normalmente exige certo afastamento de sua família algo que em si gera tensão; (n) o êxito de fiéis da Igreja perante o mercado midiático do sagrado em que se multiplicam a cada dia inúmeras possibilidades diferentes de fé. (o) Há tensões entre padres que defendem diferentes linhas de ações pastorais, por exemplo, a opção preferencial pelos pobres, o ecumenismo, os movimentos carismáticos e midiáticos etc.
É fácil compreender como os itens citados, enfrentados durante certo tempo, possa se transformar em “burnout”. Essa síndrome se refere a um tipo de estresse ocupacional e institucional prolongado, com predileção para profissionais que mantém uma relação constante e direta com outras pessoas, principalmente quando esta atividade é considerada de ajuda, como no caso do padre, médico, enfermeiro e psicólogo etc. A “Síndrome de Burnout” desenvolve-se lenta e silenciosamente por um longo período. Alguns autores consideram a “Síndrome de Burnout” diferente do estresse genérico. Estes consideram esse quadro de apatia extrema e desinteresse, não como sinônimo de algum tipo ou tipos de estresse, mas como uma de suas conseqüências bastante sérias. Os sinais de “burnout” tendem a ser mais de cunho mental do que físico, embora não exclui o físico. Podemos incluir aqui sentimentos de: fraqueza, impotência, desespero, exaustão emocional, insônia, ansiedade, desânimo, afastamento, irritabilidade, impaciência, frustração, sensação de fracasso, absenteísmo, culpabilidade, queda de produtividade, dificuldade de concentração, alterações de apetite, transtornos ansiosos, cinismo, apatia, solidão e tristeza, pânico, falta de perspectivos para o futuro, e em alguns casos bulimia e anorexia etc. Há padres também com depressão algo que não deve ser confundido com “burnout”.
O conceito “Burnout” foi usado pela primeira vez, em diagnóstico clínico, em 1974 pelo psicólogo Herbert J. Freudenberger no seu livro “Burnout: The High Cost of High Achievement” (Burn-out:o alto custo da alta performance). Freudenberger dividiu o processo de “burnout” em 12 estágios que podem se suceder, alternar-se ou, às vezes, ocorrer ao mesmo tempo. No seu excelente livro “Sofrimento dos Presbíteros: Dor Institucional”, Dr. William Cesar Castilho Pereira apresenta esses estágios assim: (1) Necessidade de se afirmar (ambição exagerada na profissão); (2) Dedicação intensificada (para se justificar a pessoa passa a fazer tudo sozinho); (3) Descaso com as próprias necessidades (a vida profissional ocupa quase todo o tempo); (4) Recalque de conflitos (não enfrenta a situação e o aparecimento dos primeiros problemas físicos); (5) Reinterpretação de valores (Isolamento dos amigos e passe tempos e negação das próprias necessidades. A autoestima é medida apenas pelo trabalho); (6) Negação de problemas (intolerância julga os outros incapazes, contados sociais evitados); (7) Recolhimento (a pessoa vive ensimesmada, alguns recorrem ao abuso ao álcool ou às drogas); (8) Mudanças evidentes de comportamento (apático e sensação de ser inútil); (9) Despersonalização (rompe o contato consigo mesmo, e a vida limita-se ao funcionamento mecânico)); (10) Vazio interior (Excede-se na vida sexual, na alimentação e no consumo de drogas ou álcool); (11) Depressão (A vida perde o seu sentido) e (12) Síndrome do esgotamento profissional (total colapso físico e psíquico). (Cf. op. cit. Editora Vozes, Petrópolis, 2012, ps. 28-30).
Como um padre pode superar o estresse e a “Síndrome de Burnout”? Padres que são psicólogos e psiquiatras afirmam que: (a) a primeira coisa é cultivar uma boa vida espiritual, organizando o dia para que houver tempo adequado para celebrar a missa sem pressa, rezar a “oração das horas”, ler a bíblia, fazer no mínimo meia hora de meditação, adquirir o costume de ler livros espirituais, e ter um diretor espiritual para o fórum interno; (b) O padre deve procurar um psicólogo ou um psiquiatra para acompanhá-lo durante este período difícil. Preferivelmente o acompanhante deve ser um psiquiatra que é médico e que pode receitar certas combinações de medicamento, como tranqüilizantes ou antidepressivos, para atenuar a ansiedade, tensão ou depressão. (c) a paróquia não deve ser centrada na pessoa do padre, mas a responsabilidade para o trabalho pastoral deve ser dividida entre os vários grupos de pastorais, especialmente os conselhos econômicos e pastorais; (d) alguns casos exigem a separação do contexto de onde originam as tensões (por exemplo, mudança de comunidade, ou transferência de paróquia etc.); (e) o padre deve ter um dia por semana para descanso preferivelmente fora da paróquia, e férias uma ou mais vezes por ano; (f) se o padre tiver graves problemas financeiros deve procurar orientação profissional, falar com seu bispo ou alguns colegas de paróquias mais abastadas (!); (g) o padre diocesano é aconselhado para tornar-se um contribuinte autônomo do INSS, pagando cada mês para que ele garantisse uma aposentadoria adequada na velhice; (h) o padre não deve se isolar do convívio dos irmãos no sacerdócio, amigos e paroquianos, mas cultivar essas amizades preciosas, especialmente entre seus irmãos padres; (i) se o padre tem problemas na dimensão humano-afetiva o psicólogo acompanhante pode orientá-lo e ajudá-lo nesta área, também ele deve pedir a orientação de um irmão padre de sua confiança; (j) ele deve tentar ficar atualizado participando de seminários, cursos de reciclagem e, em certos casos, pedindo a licença do bispo ou provincial para fazer cursos de mestrado ou doutorado em ciências religiosas ou psicologia etc.; (k) deve tomar cuidado de sua saúde física e mental visitando seu médico regularmente e seu psicólogo ocasionalmente; (l) neste tempo de crescente secularização numa sociedade materialista e de consumo, o padre deve refletir sobre a nobreza de sua vocação e os grandes valores cristãos que ela representa; (m) o padre deve realizar atividades de relaxamento, fazendo exercícios diários e mantendo uma dieta balanceada; (n) deve discutir seus problemas com colegas de profissão e seu bispo ou provincial; (o) em alguns casos o padre que precisa de medicamentos para superar o stress, “burnout” ou depressão (tranqüilizantes/calmantes/sedativos etc.) deve seguir rigorosamente a orientação do seu médico ou psiquiatra. Finalmente, os paroquianos podem diminuir o stress do padre apoiando o através de gestos solidários nos trabalhos pastorais.
Pe. Brendan Coleman Mc Donald, Redentorista, Assessor da CNBB.