Eutanásia e distanásia

Pe. Dr. Brendan Coleman Mc Donald – Redentorista

Com a atualização do Código Penal (Projeto de Lei 236/2012) que segue sendo analisado por uma Comissão Especial no Senado e em seguida será levado ao Plenário, a eutanásia poderá ser prevista na legislação brasileira. Acredito que isso exige uma reflexão. A palavra eutanásia inicialmente significou apenas uma morte serena e boa. O termo eutanásia deriva do grego: eu = boa e tanatos = morte. Hoje, porém, ela compreende várias realidades distintas entre si, e muitos problemas do ponto de vista médico e moral. Atualmente a eutanásia pode ser classificada de várias formas, de acordo com o critério considerado.

Quanto ao tipo de ação: (i) Há eutanásia ativa: o ato deliberado de provocar a morte sem sofrimento do paciente por fins misericordiosos; (ii) Há eutanásia passiva ou indireta: a morte do paciente ocorre, dentro de uma situação de terminalidade, ou porque não se inicia uma ação médica ou pela interrupção de uma medida extraordinária, com o objetivo de minorar o sofrimento; (iii) Há eutanásia de duplo efeito: quando a morte é acelerada como uma conseqüência indireta das ações médicas que são executadas visando o alívio do sofrimento de um paciente terminal.

Quanto ao consentimento do paciente: (i) Há eutanásia voluntária: quando a morte é provocada atendendo a uma vontade do paciente; (ii) Há eutanásia involuntária: quando a morte é provocada contra a vontade do paciente; (iii) Há eutanásia não voluntária: quando a morte é provocada sem que o paciente tivesse manifestado sua posição em relação a ela. Neste breve artigo vou me restringir à eutanásia ativa e a eutanásia passiva.

A ativa (conhecida também como positiva ou direta) é prática realizada com injeção letal ou overdose de medicamentos aplicada por um médico, ou seja, este profissional fornece os meios para uma pessoa se suicidar. Esta eutanásia seria um homicídio compassivo, por compaixão por alguém. Ou seja, você quer reduzir o sofrimento da pessoa. Já a eutanásia passiva (negativa ou indireta) inclui medidas como suspender ou retirar a alimentação, a hidratação ou a oxigenação do paciente em estado vegetativo persistente. Na passiva, você faz uma omissão e não uma ação. Você faz uma medida de retirar um equipamento essencial, como um respirador. O paciente não terá a medida de suporte vital, então ele morrerá em função disso.

Perante a eutanásia o posicionamento da Igreja Católica neste delicado assunto se encontra na declaração da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé “Lura et bona” publicado em 5 de maio de 1980. Esta declaração define eutanásia como “uma ação ou omissão que, por sua natureza ou nas intenções, provoca a morte a fim de eliminar toda a dor”. A eutanásia situa-se, portanto, no nível das intenções e no nível dos métodos empregados. Entre os pontos mais importantes desta declaração encontramos: “ninguém pode atentar contra a vida de um homem inocente (…) sem violar um direito fundamental, irrenunciável e inalienável”. Não se aceita a eutanásia “como o fim de eliminar radicalmente os últimos sofrimentos ou de evitar que crianças anormais, doentes mentais ou incuráveis tenham prolongado, talvez por muitos anos, uma vida infeliz, que poderia impor cargas demasiado pesadas às famílias ou à sociedade”. Esta declaração está somente reafirmando o que o Concílio Vaticano ll declarou sobre a dignidade da pessoa humana e muito particularmente o seu direito à vida, e denunciou como crimes contra a vida “toda espécie de homicídio, o genocídio, o aborto, a eutanásia e o suicídio voluntário” (G.S. 27). A declaração reconhece o “direito de morrer com toda a serenidade, com dignidade humana e cristã” (o chamado ortotanásia), mas esse direito “não designa o direito de procurar ou faze procurar a morte da maneira que se queira”. Porém, o doente tem o direito de não sofrer inutilmente, e a Igreja ensina que não há uma obrigação de usar meios extraordinários ou desproporcionais para prolongar a vida do moribundo. O chamado distanásia que consiste em atrasar o mais possível o momento da morte usando todos os meios, ainda que não haja esperança alguma de cura ou que isso signifique em mais sofrimento para o enfermo. Deve avaliar bem os meios, comparando “o tipo de terapia, o grau de dificuldade e de risco que comporta, as despesas necessárias e as possibilidades de aplicação, com o resultado que se pode esperar, tendo em conta as condições do doente e das suas forças físicas e morais”. Em outras palavras, não se deve atentar apenas para as características dos tratamentos médicos utilizados, pois é preciso levar na devida conta o conjunto de circunstâncias que cercam o próprio doente. Esta postura, como disse, é chamada ortotanásia e tem o sentido de morte “no tempo certo”, sem cortes bruscos nem prolongamentos desproporcionais do processo de morrer. É diferente da eutanásia porque não pretende pôr fim à vida do paciente sumariamente, embora o uso de alguns sedativos ou analgésicos possa acarretar o encurtamento de sua existência. É um interesse em humanizar o processo de morte de um paciente terminal, em aliviar suas dores, em não pretender prolongar abusivamente sua existência pela aplicação de meios desproporcionais. O documento diz que deve decidir nesses casos: em primeiro lugar o próprio doente e seus familiares; depois, o médico, que deve decidir “se as técnicas empregadas estão impondo ao paciente sofrimentos e incômodos maiores do que os benéficos que podem ser obtidos”.

Para o católico nada ou ninguém pode autorizar que se dê a morte a um ser humano seja ele feto ou embrião, crianças, adultos ou idosos, doentes incuráveis ou agonizantes e obviamente pessoas com boa saúde física, mas mentalmente deprimidas, porque tal gesto é uma violação da Lei Divina, é uma ofensa à dignidade da pessoa e um crime contra a vida. Também, a ninguém é permitido requerer este gesto homicida para si ou para outro confiado à sua responsabilidade, nem sequer consenti-lo explícita ou implicitamente.

Finalmente, é vital lembrar que os pedidos dos pacientes gravemente doentes que, às vezes, imploram a morte, não devem ser considerados como expressões de uma verdadeira vontade de eutanásia. Na maioria das vezes são pedidos angustiantes de ajuda e afeto. Além dos cuidados médicos, aquele de que o doente tem necessidade é amor, calor humano, conforto espiritual, respeito, amparo de país, irmãos, filhos, amigos, médicos e enfermeiras. O doente terminal deve morrer amando e sendo amado.

Pe. Dr. Brendan Coleman Mc Donald, redentorista e assessor da CNBB, Reg. NE1

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