Foto: Santuário de Canindé
Encravado no Sertão Central do Estado do Ceará, na cidade de Canindé, o Santuário-Basílica de São Francisco das Chagas é um local considerado sagrado pelas pessoas que o visitam e por seus habitantes. Trata-se de um lugar para onde os católicos, especialmente das regiões Norte e Nordeste do Brasil, dirigem-se para praticar as devoções ao seu padroeiro.
No período da festa de São Francisco, ocasião que reúne um número expressivo de devotos na cidade, o santuário se embeleza com a mestiçagem do povo brasileiro reunido para celebrar/festejar o sagrado: todos irmanados em busca de dias melhores, movidos pela esperança de que o santo canindeense alivia os sofrimentos do corpo e da alma, conforme vemos nos ex-votos que são deixados pelos romeiros na Casa dos Milagres.
Canindé se torna palco do que podemos chamar de ‘espetacularização da fé’, pois as manifestações do povo para homenagear o santo, em sua maioria, pessoas simples, encantam todos os espectadores, confirmando-se a tese de Émille Durkheim de que a religião não perderia seu papel ao longo tempo, pelo contrário, ela se transformaria em cada época. Nessa reunião social, São Francisco é homenageado pelo clero, representantes da igreja oficial, e por seus devotos, com suas práticas de religiosidade católica popular.
Um aspecto interessante das festas religiosas nordestinas, sob a lente dos pesquisadores em Ciências Humanas e Sociais, por exemplo, prof. Dr. Clerton Martins, é que nelas ocorrem romarias. Em Canindé, a festa de São Francisco se torna um imenso evento por esse motivo. São os romeiros que expressam como esse santo é o amparo em suas vidas quando estão enfrentando momentos difíceis: basta entrarmos na Casa dos Milagres e contemplarmos os ex-votos que eles oferecem ao santo. Cada um desses objetos traz consigo uma história marcada pelos augúrios das dores do corpo e da alma, da falta de moradia, de trabalho e renda. Promessas são feitas e pagas. Vínculos de afetos são consolidados entre o santo e seus devotos. Graças são alcançadas por intermédio da fé.
Quando vemos os ex-votos e os romeiros clamarem: “meu São Francisco, não me desampare”, compreendemos a importância do santuário canindeense para o povo brasileiro. É o local onde se obtém refúgio para a caminhada e onde o devoto pode conversar com o santo e relatar suas dificuldades. Cada promessa, aqui considerada uma dívida simbólica, conforme conceituação elaborada pela Profª. Dra. Leônia Teixeira e sua equipe, é paga no santuário com entrega do que foi prometido ao santo.
Finalmente, a festa de Canindé reúne o povo que, na coletividade, homenageia/cultua o sagrado de cada um que se torna o sagrado de todos. As emoções se aquecem, os sentimentos se afloram, a vida pulsa mais forte nesse tempo-espaço sagrado, tanto para aqueles que vão pedir graças, quanto para os que vão pagar suas promessas ou somente participar da festa.
Desse modo, o santuário de Canindé propicia o encontro do devoto com o santo, com si mesmo e com os outros: é o sagrado vivido sob o sol do sertão; nas lágrimas que banham as faces do sofrimento; nas velas que crepitam ao se consumirem as chamas da esperança; na impressão das dores do corpo e da alma esculpidas nos ex-votos; e, na alegria de, mais uma vez, festejar São Francisco, celebrar as conquistas e aguardar a próxima festa.
Carlos Ming-Wau
Psicólogo. Doutorando em Psicologia pela Universidade de Fortaleza com bolsa da FUNCAP.