Por Pe. Domingos, CSh.
FOMOS A CANINDÉ
FOMOS PELA FÉ E VOLTAMOS EM PÉ!
Um grupo de cinqüenta pessoas da Família Shalom. Uma estrada cortando o sertão seco do Ceará. O sol abrasa. O sertão é pó e os rios estão secos. Gado morto na beira da estrada. Muitas mãos estendidas como gritos da miséria que se perpetua.
Saímos de Maranguape no dia 14 de Novembro, à noite. Caminhamos dez quilômetros, na brisa da noite, cajado na mão, fita de S. Francisco nele amarrada, como expressão do voto que cada pessoa fez para a caminhada. Dormimos no Galpão de Penedo, depois da Ladeira Grande. Sono breve, para retomar caminho de madrugada, até Alto do Boi, onde paramos no Galpão de Amanari. Quinze quilômetros, parando de cinco em cinco, para alongar e meditar. O primeiro trecho da caminhada, foi em silêncio, num clima meditativo. No Galpão, além do repouso, celebramos a Eucaristia, num clima de participação, partilha e comunhão. O tema deste primeiro dia: olhar para trás. Olhar a figura de Francisco de Assis, olhar a cultura do sertão, olhar a religião do nosso povo e sua devoção a S. Francisco das Chagas de Canindé. No cair da tarde, mais quinze quilômetros pela estrada, contemplando o por do sol, para chegar de noite na Lagoa do Juvenal, onde pernoitamos. E no meio da madrugada, a estrada nos esperava de novo, para respirarmos o silêncio da noite misturado com o silêncio da meditação, caminhando até Campos Belos. O olhar do segundo era para dentro: perceber o que carregamos dentro de nós pelas estradas da vida, o que pesa, o que incomoda. Uma pedra… que cada um pegou na beira do caminho, se tornou o símbolo desse dia. Dar nome à pedra, ressignificá-la na Eucaristia, descobrindo o que ela pode mostrar como caminho de crescimento… integrar, acolher, transformar… até pintar a pedra, no final do dia, como expressão de um novo olhar sobre as dificuldades da vida. No terceiro dia o olhar proposto foi para fora, contemplando a realidade que servia de chão ao nosso caminhar, entre Campos Belos e Caridade. Vinte quilômetros de estrada quente. Deixar-se interpelar pela realidade do sertão, pelas causas ecológicas, sociais e políticas da seca e da miséria. Cultivar a solidariedade e a corresponsabilidade, a consciência crítica, social, política e ecológica, fixa no galho seco que agregamos ao cajado. Repouso, partilha, convivência, cuidado mútuo das bolhas e dos calos nos pés, Eucaristia no meio da caatinga, hospitalidade generosa e acolhedora. E à meia noite, acordar de novo para a etapa final da caminhada: olhar para a frente! O que a caminhada nos ensina sobre o nosso jeito de caminhar pela vida?! À volta do pote de fogo, acendemos nossas velas, como expressão da luz que nos guia na caminhada. Chegamos a Canindé, tendo palmilhado mais vinte quilômetros, misturando alegria e cansaço, superação e sensação de vitória, aceitação dos limites e entusiasmo. Indo e vindo a Canindé, tudo é graça, tudo é fé… cantamos nós ao longo da estrada. Mas na chegada, mudamos as palavras para dizer: indo e vindo a Canindé, todos cansados, mas todos em pé! À volta da estátua monumental de S. Francisco, celebramos a alegria serena que de dentro vinha. Na hospitalidade do Convento dos Franciscanos, refizemos as energias. Na Igreja de Nossa Senhora das Dores, fizemos a festa da Eucaristia, colocando no altar a riqueza da caminhada interior que as estradas do sertão de Canindé nos permitiram fazer.
Um curso intensivo, com aulas práticas! Em quatro dias, ao longo de mais de cem quilômetros, um complexo multidisciplinar onde a experiência gerou um saber autodescoberto, revelador e transformador, libertador. Muitas matérias, interligadas, num nível profundo de aproveitamento. Um curso intensivo de atividade física, de consciência dos limites e das potencialidades do nosso corpo. Mas também um treinamento vivencial sobre respiração, sentindo no fôlego e no alívio da dor os seus efeitos práticos. Uma terapia profunda de autoconhecimento, aceitação, crescimento, transformação pessoal. Aulas intensas de relacionamento interpessoal. Experiência pessoal e comunitária de Deus, saboreando uma espiritualidade literalmente de pé no chão e fé na vida, respirando a presença amorosa de Deus em cada passo e em cada gesto. Curso de extensão sobre religiosidade do povo. Um curso de especialização na arte do cuidado, consigo mesmo, com os outros e com a natureza. Intensivão de acolhimento e hospitalidade. Doutorado em gratuidade e pós doutorado em humildade, na aceitação dos limites e descobrindo-se amado e cuidado por Deus e pelos companheiros de caminho. Aulas de campo sobre cultura do sertão e ecologia. Uma formação visceral sobre justiça social, política e sociologia, na convivência com a desigualdade e a miséria. Matéria linda sobre família e integração. Um mestrado em sofrimento, vivenciando-o, acolhendo e integrando, até descobrir a luz que mora atrás da sombra. Monografia final em superação, transformação e conversão. Um curso alargado de meditação. Uma matéria excelente de disciplina e organização. Uma média final de gratidão. Uma imersão em Reino de Deus. Uma certificação em Simplicidade, Serviço, Solidariedade e… Sem frescura! Uma formatura em Shalom, com aproveitamento exemplar!