Todos os anos, desde 1964, a Campanha da Fraternidade nos abre os olhos para os apelos fortes vindos de nossa realidade, de nossos irmãos e irmãs que vivem com grandes dificuldades e precisam de nossa ajuda. É um chamado para uma ação evangelizadora, “visto que evangelizar é renovar toda a vida da sociedade, não de maneira decorativa…mas de maneira vital, em profundidade e até às raízes…modificando, pela força do Evangelho, os critérios de julgar, os valores que contam, os centros de interesse, as linhas de pensamento, as fontes inspiradoras e os modelos de vida da humanidade” (Texto da Campanha 2024, p. 16, n.2).
Neste ano, a Campanha se inspira na encíclica “Fratelli Tutti”, do papa Francisco, em que ele expõe o seu projeto de fraternidade, radicado na amizade social e no amor político, assumindo o diálogo como caminho imprescindível a fim de construir uma cultura do encontro. A primeira pergunta que emerge a respeito desta proposta é: que é amizade social? O papa enumera, em seu texto, seus diferentes aspectos. Amizade social é: amor que ultrapassa as barreiras da geografia e do espaço”, “uma fraternidade aberta, que permite reconhecer, valorizar e amar todas as pessoas, independentemente de sua proximidade física”. É um amor “desejoso de abraçar a todos”, “comunicar com a vida o amor de Deus, recusando impor doutrinas por meio de uma guerra dialética”. É viver livre “de todo desejo de domínio sobre os outros”, “amor que se estende para além das fronteiras”, “para todo ser vivo”, “amor que rompe as cadeias que nos isolam e separam lançando pontes”, “amor que sabe de compaixão e dignidade”, “vocação para formar uma comunidade feita de irmãos que se acolhem mutuamente e cuidam uns dos outros”.
Numa palavra, “Amizade Social é o amor presente nas relações sociais”, o que significa dizer que “a verdadeira valorização da vida se dá quando esta não é compreendida à parte da sociedade”, uma separação típica do modelo socioeconômico neoliberal que gesta a categoria dos supérfluos produzindo, como diz o papa, a “cultura do descarte”. Suas primeiras vítimas são migrantes, pobres, idosos, pessoas com deficiências, nascituros, desempregados. As estatísticas oficiais a respeito da situação do Brasil nos últimos anos são alarmantes:1% da população concentra 60% da riqueza nacional; 4 dos 5 homens mais ricos do Brasil tiveram um aumento de 51% de sua riqueza em 2020 durante a pandemia, enquanto 129 milhões de brasileiros ficaram mais pobres, o que revela a desigualdade escandalosa que nos marca.
A Amizade Social significa, então, um apelo a valorizar o direito à vida, ao seu desenvolvimento integral, um antídoto contra um ser humano fechado em si mesmo, contra um mundo fechado aos vulneráveis e “improdutivos” a fim de que seja possível incluir os pobres, os abandonados, os doentes e os últimos da sociedade por meio de uma prática comprometida com a solidariedade humana, capaz de se confrontar com as causas estruturais de um mundo desumano. É assim que a amizade social é amor político.
Professor Manfredo Oliveira, Universidade Federal do Ceará