Foto: Vatican Media
O papa Francisco, em seus escritos, nos chama a atenção para uma questão decisiva na vida humana: nossa capacidade de avaliar nossos critérios de julgar, os valores que orientam nossas vidas, os centros de interesse, as linhas de pensamento, as fontes inspiradoras e os modelos de vida da humanidade. No fundo, trata-se do enfrentamento das questões éticas básicas que marcam nossas vidas. Nosso mundo, marcado pela Inteligência Artificial, levanta o que ele denomina “temas quentes” para a ética.
Tudo começa a ser determinado pelos sistemas de Inteligência Artificial: …”a idoneidade dum indivíduo para determinado emprego, a possibilidade de reincidência dum condenado ou o direito a receber asilo político ou assistência social” etc. As formas de Inteligência Artificial se mostram capazes de influenciar as próprias decisões das pessoas através de opções predeterminadas. Tudo isto abre espaços a diferentes formas de preconceito e discriminação. Para o papa, estes erros do sistema podem multiplicar-se facilmente e gerar não só injustiças individuais, mas verdadeiras formas de desigualdade social. O respeito fundamental pela dignidade humana implica a rejeição à identificação da pessoa humana com um conjunto de dados. Por isso, não se pode permitir que os algoritmos estabeleçam a forma como compreendemos os direitos humanos. Assim, afirma o papa, não se deve pôr de lado os valores essenciais da compaixão, da misericórdia e do perdão e a possibilidade de um indivíduo mudar e deixar para trás seu passado.
Faz-se também necessário considerar o impacto das novas tecnologias na esfera do trabalho humano. Trabalhos que, no passado, constituíam encargo exclusivo do ser humano hoje são rapidamente assumidos pelas aplicações industriais da Inteligência Artificial. Neste caso, há fundamentalmente o “risco de uma vantagem desproporcionada para poucos à custa do empobrecimento de muitos”. A Comunidade Internacional, tomando consciência de que as atuais formas de tecnologia se difundem cada vez mais profundamente no mundo do trabalho, deveria acatar, como prioridade urgente, o respeito pela dignidade dos trabalhadores e “a importância do emprego para o bem-estar econômico das pessoas, das famílias e das sociedades, a estabilidade dos empregos e a equidade dos salários”.
Em última análise, na busca de modelos normativos capazes de fornecer orientação ética e jurídica aos criadores de tecnologias digitais, é indispensável identificar os valores humanos que deveriam estar na base dos esforços das sociedades em processo de transformação tecnológica. A elaboração de diretrizes éticas para estas formas de Inteligência Artificial não pode prescindir de questões mais profundas relativas ao sentido da vida humana, à proteção dos direitos humanos, à busca da justiça e da paz. Este processo de discernimento pode ser preciosa ocasião para uma reflexão sobre o papel que a tecnologia deveria ter na nossa vida individual e comunitária e sobre a forma como a sua utilização poderia contribuir para a criação de um mundo mais equitativo e fraterno. Neste contexto, deve-se ter em conta as vozes de todas as partes interessadas, “incluindo os pobres, os marginalizados e muitos outros que permanecem ignorados nos processos de decisão globais”.
Manfredo Oliveira, professor da Universidade Federal do Ceará