Um momento da audiência do Papa com a Associação Internacional dos Jornalistas credenciados no Vaticano (22 de janeiro de 2024) (VATICAN MEDIA Divisione Foto)
No dia do primeiro dos 36 grandes eventos deste Ano Santo, vamos relembrar algumas reflexões dos Pontífices sobre as responsabilidades de comunicar e transmitir notícias: para o Papa Francisco, trata-se sempre de uma “ida e volta”, um diálogo que não deve ceder à “lógica da contraposição”.
Amedeo Lomonaco – Vatican News
Comunicar é uma ação que diz respeito a todas as pessoas desde o início da história humana. Significa transmitir uma mensagem, entrar em relação com o outro dentro de um contexto, também influenciado por valores e costumes, por meio da linguagem e de vários meios de transmissão. Entre eles, o livro assumiu um papel primordial por muitos séculos. A evolução da comunicação acompanhou mudanças profundas. A invenção da impressão no século XV deu um impulso ainda maior à circulação de ideias e conhecimento. Entre os séculos XIX e XX, o surgimento da mídia de massa levou a comunicação de massa a um público composto não apenas de leitores, mas também de espectadores e ouvintes. Jornais, filmes, rádio e televisão tiveram um grande impacto no tecido social.
Mais recentemente, a mídia vinculada ao computador marcou os fenômenos atuais, como a globalização, até a chegada da era da inteligência social e, mais ainda, da inteligência artificial. O primeiro dos 36 principais eventos deste Ano Santo é dedicado a esse mundo. É o Jubileu da Comunicação, programado de 24 a 26 de janeiro, que envolve, entre outros, jornalistas, operadores de mídia, gerentes de mídia social, técnicos de áudio e vídeo, cientistas da computação.
Comunicar é uma responsabilidade
Ao longo da história, os Papas sempre se referiram ao valor da comunicação e lembraram repetidamente que conhecer e ser informado é um direito fundamental do homem. Divulgar a palavra, a notícia, a imagem, o pensamento e a cultura é, antes de tudo, uma responsabilidade: a de buscar e promover a verdade.
O Papa João XXIII, na Encíclica Pacem in Terris, afirma que todo ser humano tem o direito à informação objetiva. Hoje, as possibilidades de comunicação e transmissão de notícias se multiplicaram. Mas a capacidade de compreender verdadeiramente uns aos outros nem sempre cresceu, e o risco é repetir a experiência bíblica da Torre de Babel. Recentemente, em particular, com o advento das tecnologias digitais, houve uma transformação drástica das formas e linguagens da informação. O perigo, também indicado pelo Papa Francisco, é aquele de ver a sabedoria do homem sufocada pela velocidade e pela natureza frequentemente dispersiva da informação.
Paulo VI: a Igreja e as comunicações sociais
Apesar dessas sombras, a comunicação e a informação podem iluminar o caminho do homem e o Jubileu da Esperança. No decreto conciliar Inter mirifica é enfatizado que as novas possibilidades de comunicar, garantidas por “maravilhosas invenções técnicas”, podem alcançar e influenciar as massas e toda a humanidade.
“Importante obrigação moral, quanto ao bom uso dos meios de comunicação social”, afirma esse documento, “incumbe aos jornalistas, escritores, actores, produtores, realizadores, exibidores, distribuidores, empresários e vendedores, críticos e, além destes, a todos quantos intervêm na realização e difusão das comunicações”. Mas o que são exatamente as comunicações sociais? O Papa Paulo VI fez essa mesma pergunta no Regina Caeli, em 23 de maio de 1971:
Paulo VI e as comunicações sociais
O que são as comunicações sociais? São os meios, são os instrumentos, são os veículos, por meio dos quais os homens transmitem uns aos outros as notícias, as informações, as opiniões, os julgamentos, as críticas, as intenções, os ensinamentos, as propaganda, os pensamentos. É toda a linguagem de conversas, exortações, polêmicas, que os homens desenvolvem entre si. É o comércio de palavras, de notícias, de ideias que circulam na sociedade, um comércio que está sempre se ampliando e tende a se tornar mundial. A moderna técnica da imprensa, do rádio e da televisão torna essa disseminação de vozes e imagens da conversa e da cultura dos homens entre si extremamente rápida, atraente e impressionante. Não é esse um fato característico e dominante de nossa vida diária? Em nossa civilização contemporânea? Ninguém pode negar isso. É por isso que a Igreja também deve se ocupar disso.
João Paulo I: comunicação é comunhão
A Igreja também deve se ocupar com isso porque os instrumentos de comunicação podem estabelecer uma “profunda conexão com os valores humanos e as expectativas da sociedade”. Isso foi enfatizado pelo Papa João Paulo I em seu discurso a representantes da imprensa internacional em 1º de setembro de 1978.
João Paulo I: a comunicação pode promover a fraternidade
A herança sagrada, que nos deixaram o Concílio Vaticano II e os Nossos Predecessores João XXIII e Paulo VI, de querida e santa memória, exige de Nós a promessa duma atenção especial, duma franca, honesta e eficaz colaboração com os instrumentos da comunicação social, que vós aqui representais dignamente. É promessa que de boa vontade vos fazemos, consciente como estamos da função cada vez mais importante que os meios de comunicação social foram assumindo na vida do homem moderno. Não ignoramos os riscos de massificação e de nivelamento, que tais meios trazem consigo, juntamente com as ameaças que daí resultam para a interioridade do indivíduo, sua capacidade de reflexão pessoal e objectividade do seu juízo. Mas conhecemos também quais as novas e felizes possibilidades que eles oferecem ao homem de hoje para melhor conhecer e de perto tratar os próprios semelhantes, para lhes auscultar mais claro o anseio de justiça, de paz e de fraternidade, para estabelecer com eles vínculos mais fundos de participação, de entendimento e de solidariedade, com vista num mundo mais justo e mais humano. Conhecemos, numa palavra, a meta ideal para onde cada um de vós, apesar das dificuldades e desilusões, orienta o seu esforço, isto é, para, graças à “comunicação”, chegar a mais verdadeira e satisfatória “comunhão”.
João Paulo II: comunicar é respeitar a verdade
Para o mundo da comunicação e do jornalismo, em particular, impõe-se uma escolha fundamental: “o serviço da comunicação social, destinado a enriquecer o patrimônio cognitivo e formativo individual e a oferecer à comunidade um instrumento eficaz de crescimento civil, espiritual e moral”. É dentro desse quadro preciso que se insere o discurso dirigido em 28 de fevereiro de 1986 pelo Papa João Paulo II a uma representação de jornalistas, definidos como “operadores, servidores, artistas da palavra”.
João Paulo II e o compromisso dos jornalistas com a verdade
O respeito pela verdade exige um compromisso sério, um esforço preciso e escrupuloso de pesquisa, verificação e avaliação. Sobre esse ponto, gostaria de estreitar meu olhar por um momento para o horizonte eclesial. O meu predecessor João Paulo I – que, como sabem, tinha uma singular familiaridade com o jornalismo – nesta mesma sala, entre as expressões afáveis que dirigiu aos representantes dos meios de comunicação social, enfatizou a necessidade de “entrar na visão da Igreja, quando se fala da Igreja”. E acrescentou: “peço-lhes sinceramente, suplico-lhes de fato, que contribuam também para salvaguardar na sociedade de hoje aquela profunda consideração pelas coisas de Deus e pela misteriosa relação entre Deus e cada um de nós, que constitui a dimensão sagrada da realidade humana”.
Bento XVI: comunicar é testemunhar a própria visão
O terceiro milênio, marcado pela difusão da Internet e pelas possibilidades oferecidas pelos novos meios digitais e pela inteligência artificial, exige não apenas a busca da verdade, mas também um testemunho autêntico, coerentemente ligado ao que é comunicado. O Papa Bento XVI centrou seu discurso aos participantes da Assembleia Plenária do Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais nessa necessidade, em 28 de fevereiro de 2011:
Bento XVI: trocar informações é compartilhar a si mesmo
As novas linguagens que se desenvolvem na comunicação digital determinam, entre outras coisas, uma capacidade mais intuitiva e emotiva do que analítica, orientam para uma diferente organização lógica do pensamento e da relação com a realidade, privilegiam muitas vezes a imagem e as ligações hipertextuais. Além disso, a clara distinção tradicional entre linguagem escrita e oral parece diluir-se a favor de uma comunicação escrita que adquire a forma e a imediação da oralidade. As dinâmicas próprias das «redes participativas» exigem, de resto, que a pessoa se comprometa naquilo que comunica. Quando as pessoas trocam informações entre si, já se compartilham a si mesmas e a sua visão do mundo: tornam-se «testemunhas» daquilo que dá sentido à sua existência. Sem dúvida, os riscos que se correm saltam aos olhos de todos: a perda da interioridade, a superficialidade na vivência dos relacionamentos, a fuga da emotividade, a predominância da opinião mais convincente em relação ao desejo da verdade. E no entanto eles constituem a consequência de uma incapacidade de viver plena e autênticamente o sentido das inovcações. Eis por que motivo é urgente a reflexão sobre as linguagens desenvolvidas pelas novas tecnologias. O ponto de partida é a própria Revelação, que nos dá testemunho do modo como Deus comunicou as suas maravilhas precisamente mediante a linguagem e a experiência real dos homens, «segundo a cultura própria de cada época» (Gaudium et spes, 58), até à plena manifestação de si no Filho encarnado.
Francisco: comunicar não é contraposição, mas diálogo
É urgente refletir sobre as linguagens desenvolvidas com as novas tecnologias, sobre aquelas ligadas às redes sociais. As ferramentas podem ser muito eficazes, mas o que deve ser decisivo é, acima de tudo, o conteúdo compartilhado e o tom usado. Mesmo no campo da comunicação, não devem prevalecer o ódio e a contraposição, mas a lógica do diálogo e da compreensão. O Papa Francisco lembra isso em discurso por ocasião da entrega do Prêmio “É Jornalismo” em 26 de agosto de 2023.
Francisco: me preocupam fake news e linguagens de ódio
A cultura digital trouxe-nos tantas novas possibilidades de intercâmbio, mas também corre o risco de transformar a comunicação em slogan . Não, a comunicação é sempre ida e volta. Digo, ouço e respondo, mas sempre em diálogo. Não se trata de slogan . Preocupam-me, por exemplo, as manipulações daqueles que, de forma interesseira, propagam fake news para influenciar a opinião pública. Por favor, não cedamos à lógica da oposição, não nos deixemos influenciar pela linguagem do ódio. Na conjuntura dramática que a Europa vive, com a continuação da guerra na Ucrânia, somos chamados a um sobressalto de responsabilidade. Espero que se dê espaço às vozes de paz, a quem está comprometido em pôr fim a este e a muitos outros conflitos, àqueles que não se rendem à lógica “cainista” da guerra, mas continuam a acreditar, apesar de tudo, na lógica da paz, na lógica do diálogo, na lógica da diplomacia.
Portanto, promover uma comunicação responsável, na qual a busca do diálogo e da verdade dê a devida dignidade aos povos, às pessoas. Essas são algumas das esperanças que os Papas, em diferentes momentos da história, expressaram para aproximar as responsabilidades do mundo da comunicação e da informação das expectativas humanas mais profundas.