Liturgia da Missa da Última Ceia: Aceitar e imitar a doação do Cristo

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Terminada a Quaresma, com o Tríduo Sacro inicia-se a celebração pascal, pois a morte e ressurreição de Jesus Constituem uma unidade.

Hoje, na Quinta-feira Santa, celebramos um “adeus”: a despedida de alguém que vai para o Pai (Jo 13,1; evangelho), mas que, ao mesmo tempo, deixa uma profunda nostalgia, sobretudo por causa do modo como essa despedida será levada ao termo, na noite seguinte. Daí o espírito bem particular desta celebração: alegria, até jubilosa – o Glória (que não ressoará mais até a noite pascal). Mas é uma alegria em tom menor, misturada com lágrimas, uma alegria reticente, inibida. E a única liturgia do ano, em  que se canta o Glória, sem que se cante o Aleluia! Esta liturgia reflete bem o espírito dos fiéis diante dos últimos acontecimentos de Jesus. Eles sabem o que os Apóstolos naquela noite não sabiam: que Jesus está percorrendo seu caminho até a glória. Ao mesmo tempo, porém, sentem profundamente a dor desta noite de traição e aflição. Essa dupla consciência de catástrofe e de glória é o núcleo dos capítulos que S. João consagra à despedida de Jesus (Jo 13-17) e dos quais nós escutamos, nesta tarde, o início (evangelho). Esta consciência ficou clara para os cristãos, depois da Páscoa, graças à obra do Espírito Santo. Por isso, a despedida de Jesus volta também a ser lida nos evangelhos depois da Páscoa, que, em muitos pontos, se parecem com a celebração de hoje. Resumindo: contemplamos hoje o Servo Padecente, o homem das dores – mas com os olhos iluminados pela Páscoa. É esta a visão sobre Jesus que S. João nos ensina.

Apresenta-se a nós o “exemplo” da doação da vida que Jesus mostrou aos Apóstolos no começo da Ceia, lavando-lhes os pés. Com isso, ele deu a entender que ele é o Servo, que se humilha e carrega sobre si os pecados dos homens (tema da purificação, Jo 13,10). E quem não aceitar este serviço – veja a reação de Pedro – não pode ter comunhão com ele (13,8). Quem não aceita Jesus como o Servo que dá sua vida pelos seus irmãos, não tem parte na salvação que ele traz. Assumir na fé e na prática da vida o exemplo de Jesus (13,15), eis o verdadeiro sentido da “comunhão”, que é: participação na salvação efetivada por Jesus. Assim, a narração do lava-pés mostra por um exemplo o que significam as palavras de Jesus repetidas na oração eucarística: “Isto é o meu corpo, dado por vós… Este é o cálice do meu sangue… que é derramado por vós e por todos, para o perdão dos pecados…” E explica também o sentido profundo por que chamamos este rito de “comunhão”, isto é, participação com Cristo. A 2ª leitura nos apresenta o mais antigo testemunho da celebração eucarística, transmitida pelo apóstolo Paulo: o corpo e sangue de Jesus dados por nós (*).

A 1ª leitura fornece o fundo histórico para situar a Última Ceia como refeição pascal na vida de Jesus e nas raízes judaicas da liturgia cristã. Conta a instituição da refeição do cordeiro pascal no antigo judaísmo, com o sentido salvífico que Israel aí reconhece: a libertação da escravidão. O salmo responsorial é um canto que os sacerdotes entoavam ao levantar o cálice da bênção, gesto retomado por Jesus na Última Ceia. O canto da entrada marca, desde o início, o retido júbilo desta celebração, citando as palavras de Paulo aos Coríntios: “Convém gloriarmos… na Cruz do Senhor Jesus Cristo”. Mas para respirar plenamente o espírito desta liturgia convém considerar também as antífonas e responsórios do Lava-pés (sobretudo In Hoc Cognoscent Omnes e Mandatum Novum), bem como a belíssima sequência da comunhão, Ubi Caritas e Amor. De todos esses cantos existem boas adaptações em nossa língua. Esta liturgia deve fazer penetrar em nós, por seu rito e pela palavra que o explica, o sentido salvífico da Cruz de Cristo, no sentido de que o cristão, aceitando o esvaziamento de Jesus por nós e associando-se a seu modo de viver e morrer, entra na comunhão eterna com ele e com o Pai (**).

A Ceia Pascal

Se a Última Ceia de Jesus foi a ceia da Páscoa, como dizem os três primeiros evangelistas, por que a Igreja a celebra antes da Páscoa? É que a páscoa judaica não cai no mesmo dia que a nossa. A páscoa judaica pode cair em qualquer dia da semana, conforme a posição da lua. Assim, na Quinta-Feira Santa, Jesus consumiu, com os discípulos, a páscoa judaica (descrita na 1ª leitura).  Nesta ocasião, instituiu a Ceia Eucarística, em memória de sua morte (2ª leitura); e, no início dessa refeição, lavou os pés de seus discípulos, em sinal e exemplo do dom da própria vida (evangelho de hoje). Aliás, o evangelista João nem menciona o momento da Eucaristia, porque a Eucaristia significa comunhão com Jesus, e esta comunhão se expressa maravilhosamente pelo gesto do lava-pés: deixar-se lavar por Jesus, aceitar que Jesus seja nosso servo, que não só lava nossos pés, mas dá sua vida por nós. Por isso, queremos servir os nossos irmãos… O lava-pés é a Eucaristia na vida!

Segundo os primeiros  evangelistas, a Última Ceia foi a ceia da páscoa judaica, que  comemorava o êxodo dos hebreus do Egito, terra de escravidão. Jesus quis celebrar essa ceia, mas ao mesmo tempo a transformou, colocando-se livremente como escravo dos seus irmãos! E fez disso a sua “passagem” para junto de Deus! Ora, esta passagem de Jesus se manifesta na ressurreição, no terceiro dia a partir de hoje, que vai ser para nós, cristãos, a data  de nova Páscoa, em que celebramos a nossa libertação. Hoje celebramos Jesus na imagem do cordeiro pascal do A.T., cujo sangue preservou os hebreus do castigo que Deus fez descer sobre os egípcios para que deixassem ir os israelitas. Já não celebramos a páscoa na data judaica, pois Jesus transformou-lhe o sentido. Mas continuamos celebrando o nosso Cordeiro pascal, cujo sangue nos salva; este, porém, não foi sacrificado como um animal sem inteligência, mas porque quis livremente servir-nos no amor até o fim.


(*). As palavras “corpo”(ou “carne”, cf. Jô 6,5ss) e “sangue” devem ser entendidas no sentido existencial da vida de Jesus: trata-se de um corpo esmagado no sofrimento e um sangue derramado na cruz, por amor até o fim: daí a importância da expressão: “dado por vós”.

(**). Tenha-se cuidado para não cair numa veneração mistificada e mágica das espécies eucarísticas, pois a Eucaristia só se torna fecunda na medida em que for assimilada como “sacramento”, como sinal de uma vida em comunhão com Cristo, que dá sua vida por nós. Sem a fé, que nos faz aceitar e imitar o “Servo”que dá sua vida por nós, as Santas Espécies não produzem o fruto que significam de per si (ex opere operato). – Como hoje não se narra, no evangelho, a instituição da Eucaristia, este tema poderá ser contemplado na solenidade do SS. Sacramento.

Do livro “Liturgia Dominical”, de Johan Konings, SJ, Editora Vozes

Fonte: franciscanos.org

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