Por: Rejane Nascimento – Paróquia Nossa Senhora da Assunção.
“Queremos um Estado a serviço da Nação… que garanta direitos a toda população”.
Faz parte da caminhada das pastorais e dos movimentos sociais o refrão: “Só mandacaru resistiu a tanta dor”. Quem ontem foi à 18ª edição do Grito dos Excluídos constatou que não apenas o mandacaru resiste às dores e agruras que o vigente, mas não eterno, sistema capitalista causa a milhares de pessoas.
Quem por curiosidade, adesão ou simpatia à causa do pobre ou do excluído foi à Praça Luíza Távora, em uma das partes mais nobres de Fortaleza, percebeu um mosaico humano, colorido, formado por grupos de homens, de mulheres, de jovens, de crianças… Grupos distintos que o ano inteiro cuidam de causas específicas, sem necessidade de se avaliar se esta ou aquela é mais importante. Ontem, no entanto, como nos outros 17 Sete de Setembro, desde que o Grito dos Excluídos nasceu, em 1995, a pauta principal foi uma somente: a vida.
A vida que diariamente é colocada em segundo plano porque o capital é mais importante; e pouco interessam as condições em que João e Maria trabalham, moram, se alimentam e muito menos se divertem… embora tudo isso venha claramente descrito na Constituição Federal Brasileira.
O fio que une os variados segmentos que compõem o Grito do Excluídos é o cuidado com a vida. Esse fio estava nas faixas coloridas e criativas que se espalhavam pela praça, umas pelo chão, outras orgulhosamente erguidas e embaladas pelo vento.
Aos poucos já era possível ver e ler o balé de cinco gritos: Moradia, Educação, Segurança, Juventude, Saúde.
Mas o 18º Grito dos Excluídos queria, principalmente, mostrar ao lado “nobre” da cidade e às devidas autoridades que as pessoas atingidas pela desapropriação cruel para dar passagem aos megaprojetos que tornam Fortaleza uma fonte inesgotável de investimento, têm história, sentimentos e direitos que simplesmente não podem ser ignorados. “Grito, logo existo”, tem sido uma faixa constante nos últimos anos, na tentativa que os excluídos fazem para se fazerem notar, pelo menos no dia maior da cidadania brasileira.
Cada segmento das variadas formas de exclusão foi convidado a dar seu grito, como protagonistas que são da história. Os candidatos aos novos cargos de representantes do povo lá estavam e queriam nos fazer crer que eram pessoas como a gente, partícipes da caminhada…
Infelizmente, ainda há quem se engane, e foi possível sim, ver companheiros com botons de candidatos que são os representantes dos partidos que têm uma aliança visível com o capital. Embora doloroso, é bom para nos relembrar que o processo de crescimento é lento e a formação ainda está longe de alcançar todos os que participam dos grupos que ali estavam. A formação não está chegando às bases.
Era preciso celebrar os 18 anos do Grito de forma diferente. E por isso, saímos em marcha. E é aí que o povo mostra o que é participação. Dançando, cada um com seu gingado, caminhando, cada um no seu ritmo, ninguém levava o fardo do desespero, ao contrário, íamos vestidos de esperança. Não a esperança estéril, que se esvai no primeiro fracasso, mas a esperança semente do porvir. A mesma esperança que move o homem do campo ao depositar a semente quando ainda não caiu a primeira gota de chuva. A mesma esperança da mãe de família grávida do quinto filho, lá na periferia e que pensa: “com esse vai ser tudo melhor”.
Essa esperança fez pessoas que já passaram dos setenta caminharem; essa esperança fez os portadores de necessidades especiais apoiados no braço de um companheiro, pouco importa se nem se conheciam, andarem com desenvoltura… Todos caminhantes, todos cantando o refrão outrora do MST, hoje de todos nós: “Este é o nosso país, esta é a nossa bandeira, é por amor a esta pátria Brasil…”
Qual o nosso destino? Ocupar um lugar no desfile oficial do dia da Pátria. Olhar nos olhos dos que desmandam nessa terra e dizer: “Existimos e gritamos!” Mas eles não quiseram nos ouvir. Mas certamente souberam e sentiram a nossa presença. Escutaram ao longe nossos refrães que incomodam. Prova disso foi o batalhão de choque que nos acolheu. Por um instante ficamos separados de alguns companheiros que mais ágeis chegaram primeiro… Breves instantes até que um dos nossos, com calma, conseguiu abrir passagem e continuamos nossa travessia.
Encontramos a arquibancada das autoridades vazia. Mas isso não nos impediu de cantar: “Pai nosso, dos pobres marginalizados(…) Teu nome é santificado naqueles que morrem defendendo a vida, Teu nome é glorificado, quando a justiça é nossa medida, Teu reino é de liberdade, de fraternidade, paz e comunhão…”
E seguimos construindo em nossas periferias, na luta do dia a dia, como profetas e profetisas de um porvir diferente, erguido na partilha dos bens, baseado na liberdade de expressão, tecendo um jeito novo de se relacionar com os outros e com a natureza.
Seguimos ruminando as palavras que tanto ouvimos e repetimos: “Queremos um Estado a serviço da Nação… que garanta direitos a toda população”.