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Mudança de paradigma

O grande historiador E. Hobsbawm, no final de sua grande obra “A era dos extremos”, afirma: “Se a humanidade quer ter um futuro aceitável, não pode ser pelo prolongamento do passado ou do presente. Se tentarmos construir o terceiro milênio nessa base, vamos fracassar”. Numa palavra,  nossa maneira de habitar o planeta Terra e o tipo de relação desrespeitosa com os ritmos da natureza nos estão conduzindo a uma catástrofe total. O desafio básico aqui é questionar radicalmente o paradigma civilizatório da modernidade ainda vigente.

A tese fundamental do “pensamento ecológico” é que tudo se relaciona com tudo em todos os pontos, portanto, que a totalidade é uma unidade dinâmica, constituída por uma riquíssima diversi­dade, uma conectividade orgânica de tudo com tudo. A realidade, como um todo, emerge, então, como um tecido intrincadíssimo de relações em todas as direções, o que significa di­zer que aqui se tematiza a unidade fundamental que liga todas as re­alidades entre si e as diferencia umas das outras: tudo que existe coexiste. Tudo, enquanto expressão do ser, é uno e diferente: os seres são diferentes naquilo que constitui sua realidade mais íntima.

Nesta perspectiva, ser humano e natureza não podem ser pensa­dos como duas esferas do real inteiramente separadas, mas como essencialmente relacionados, o que significa afirmar uma co­munhão fundamental. Qualquer dualismo último se revela insustentável, uma vez que o primordial é a relacionalidade entre tudo. Assim, a realidade originária se revela como “unidade na diferença”, ou seja, embora fundamentalmente integrados, o ser humano, enquanto ser corporal-espiritual, e a natureza se manifestam como unidade sem negar a diferença.

Em que consiste a diferença entre ser humano e natureza? O ser humano é precisamente o ser capaz de captar a constituição estrutural da natureza e de si mesmo e, enquanto tal, transcende a natureza. Nesta transcendência, ele emerge como ser do sentido, que não só situa tudo que encontra num contexto de significação, mas que pode agir a partir do sentido captado. Nisto consiste precisamente seu privilégio: ele é um ser ético, capaz de decisões livres, apto a reconhecer a alteridade de cada ser, que, enquanto ser, possui um valor intrínseco. En­quanto tal, ele se revela capaz de assegurar a alteridade da natureza e, assim, pode assumir seu cuidado, a preservação de seus recursos renováveis e não renováveis, comprometer-se com a defesa de 1966.

Toda e qualquer vida, de modo especial da vida ameaçada, a vida que é vítima de opressão, portanto, pode responsa­bilizar-se pela conservação de seu direito à existência e por sua in­tegridade, mas pode também desrespeitá-la.

Aqui, precisamente, se situa o fundamento antropológico da crise ecológica, pois em virtude de o ser espiritual  poder, em princípio, negar a natureza, pode-se, em nossa situação epocal, chegar à situação catastrófica de a negação “ideal”, que ocorre no conheci­mento, desembocar numa negação “real” por meio de sua intervenção no mundo. O ser humano é, em si mesmo, unidade dos opos­tos, espiritualidade e organicidade e é sua estrutura essencial, que pode conduzir à crise ecológica.

Texto: professor Manfredo de Oliveira.

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