[ARTIGO] Não nascer em vão

geovane160Padre Geovane Saraiva*

Todo ser humano, por decisão de Deus, entra neste mundo, com uma vocação, primeira e fundamental, que é da sua própria existência. Vocação para ser gente, para ser criatura humana. Por isso mesmo é muito importante pensar naquilo que nos é proposto durante a trajetória de nossa vida. Cícero, o maior orador romano, ao tratar sobre a idade da vetustez, que significa mais do que velhice ou idade avançada; quer dizer reverência e respeitabilidade, afirmou: “Vivi de tal forma, que sinto não ter nascido em vão”. À medida que a pessoa humana entende que é necessário percorrer com muita disposição o seu percurso natural, interiormente cresce e se realiza, encontrando-se consigo mesmo e integrando-se na comunidade, na qual está inserido, oferecendo generosamente sua contribuição através do serviço e do testemunho.

Concretamente, constatamos esse tipo de procedimento, com facilidade em nossas comunidades, levando-nos a compreender as pessoas que querem viver a sua vocação, de tal maneira, que desejam tomar como suas as palavras de Cícero, na certeza de que no final a recompensa chegará confiantes na promessa do próprio Deus. É claro que as pessoas procuram tesouros de felicidade, bem estar e realização. Agora, uma coisa é importante e imprescindível, ter clara consciência do tesouro que está escondido, dentro de cada pessoa.

Quando afirmamos que a vida não foi em vão é porque temos na mente e no coração a recompensa, que supõe o merecimento, frequente nas palavras e ações de Jesus, ao falar da vida eterna como uma promessa, como uma dádiva do Pai para os que nele professam sua fé. É um dom, que de alguma maneira é preciso ser conquistado, tendo na mente e no coração o que disse Jesus: “Caríssimos, desde já somos filhos de Deus, mas nem sequer se manifestou o que seremos! Sabemos que, quando Jesus se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque o veremos como ele é” (1Jo 3, 2)

Pessoas que vivem assim compreendem em profundidade o reino de Deus, na sua beleza e na sua preciosidade, como tão bem nos assegura o Filho de Deus: “O reino dos céus é semelhante a um tesouro escondido num campo. Um homem o encontra e o mantém escondido. Depois, cheio de alegria, ele vai, vende tudo o que tem e compra aquele campo (Mt, 13, 44). Para vivermos bem, na concórdia e em harmonia com Deus, com o mundo e com nossos semelhantes, urge perseguir esse ideal, preenchendo nosso coração, sedento e ávido de felicidade.

O reino nos indica para a eternidade. É tarefa nossa fazer de tudo, mas de tudo mesmo para descobrir seu valor inigualável e incomensurável, maior tesouro que podemos encontrar como aspiração mais profunda, porque nele está nossa motivação e razão pelo qual somos capazes compreender e discernir o relativo do absoluto, compreender os mistérios do reino como dom gratuito e retribuição de Deus, quando nos assegura: “Quem me dera que meu povo me escutasse! Que Israel andasse sempre em meus caminhos! Eu lhe daria de comer a flor do trigo e com o mel que sai rocha o fartaria” (Sl 80, 14s).

São Mateus, no seu Evangelho, usa a expressão “reino dos céus” mais de trinta vezes, querendo dizer, quase sempre: “Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus” (Mt 3, 2). Descobrir os mistérios do reino significa ter mente, ouvidos e olhos abertos para o novo, para o que ainda não conhecemos e que não devemos colocar nossas seguranças e convicções, no nosso modo pensar e agir, como algo absoluto. Quando depositamos confiança e expectativas nas pessoas, o risco da decepção, além de enorme, pode causar frustração.

Penso que só assim é que haverá mais gente querendo usar de seus dons e talentos, não para explorar seus semelhantes; ao contrário, usando-os para fazer o bem, na esperança de ver seus sonhos utopias de um mundo justo, terno e solidário transformado em realidade. Guardemos no mais íntimo do íntimo, o farol do ideal maior, nas palavras do Papa Francisco dirigidas aos jovens, em 23/06/2013: “Tenham a coragem de caminhar contracorrente e de não deixar que a esperança lhes seja roubada por valores que fazem mal, como o alimento estragado”.

*Padre da Arquidiocese de Fortaleza, escritor, colunista, blogueiro, membro da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza, da Academia de Letras dos Municípios do Estado Ceará (ALMECE) e Vice-Presidente da Previdência Sacerdotal – Pároco de Santo Afonso – [email protected]

 

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