A profunda crise que vivemos hoje nos manifesta a necessidade de assumir um novo critério fundamental para guiar o ser humano em suas ações no mundo: entre os múltiplos fins, devemos escolher aqueles que efetivam o respeito à vida humana e à vida dos outros seres vivos. É essa a razão que legitima a primazia das necessidades elementares da vida frente a qualquer outro tipo de necessidade. Assim, o trabalho e toda a atividade econômica devem ter como objetivo o atendimento das necessidades básicas do ser humano. Com isso, a eficiência econômica, um dos valores primordiais da modernidade, e o respeito à natureza não são intrinsecamente incompatíveis como se a crise ecológica exigisse de nós o regresso a formas econômicas pré-modernas.
Por ser o ser humano um ser de natureza e um ser de relações sociais, são inseparáveis injustiça social e ecológica. A atual configuração da vida social, típica da sociedade industrial organizada em função da produção, gerou uma enorme exploração de seres humanos e a devastação sistemática da natureza considerada desprovida de qualquer valor em si mesma. A práxis humana se revela, nesse contexto, marcada pela exigência de uma reconciliação universal que demanda a superação de toda ordem social radicada na exploração e na injustiça social e ecológica, portanto, a procura de uma civilização alternativa, uma saída positiva do nosso ciclo histórico que se concretize na luta contra a desigualdade, na partilha da riqueza e na defesa da integridade da natureza.
O ser humano, enquanto racional e livre, conquista a si mesmo num processo de interação: é no outro e através do outro, na comunhão com o(cf. observação anterior)
outro, que o ser humano se constitui enquanto subjetividade. Dessa forma, é ele mesmo o responsável pela configuração de sua vida e isso significa a estruturação de um mundo que torne a liberdade solidária possível. Assim, o ser humano só se conquista propriamente a si mesmo quando é supressa qualquer forma de negação da alteridade e ele se efetiva positivamente com o reconhecimento recíproco das liberdades através de que todos se conquistam como seres livres. Dessa forma, mostra-se que a autoconstrução do ser humano é a configuração de uma sociabilidade fundamentada na solidariedade universal, o que requer a estruturação de instituições econômicas, políticas, sociais e culturais através de que se possa extinguir, antes de tudo, a pobreza absoluta no mundo e efetivar um desenvolvimento ecosocial.
Se o que está em jogo na história humana é a efetivação do ser humano enquanto ser coextensivo à totalidade do real, então, este processo implica não só a construção da comunhão intersubjetiva pela eliminação da opressão, mas também a comunhão com o processo abrangente do mundo, a construção da integração universal, o que, por sua vez, implica que o ser humano considere a natureza não apenas como meio necessário à sua reprodução orgânica, mas também como algo que possui valor intrínseco. Disto emerge a obrigação de zelar pela integridade da natureza, pelo respeito aos direitos dos seres naturais e pelo equilíbrio do ecossistema.
Texto: Padre Manfredo de Oliveira.