Padre Geovane Saraiva*
Mística, uma palavra usada no século V no mundo ocidental, dentro do nosso contexto cristão, empregada pela primeira vez nos escritos atribuídos a Dionysius, o Aeropagite, com a finalidade de se voltar ao absoluto de Deus. Só é possível compreendê-la quando as pessoas se sentem profundamente voltadas e marcadas pela graça Deus. É compreensivo que os místicos busquem referenciais e figuras exemplares, com as quais se identifiquem ou configurem, tendo como pressuposto Jesus de Nazaré, aquele que os leva à vivência da fé, numa bonita caminhada de esperança, como criaturas de Deus inspiradas e inspiradoras.
O Papa Francisco faz-nos compreender o tema acima, na Praça de São Pedro, no horário do meio-dia (06/03/2016), diante dos fiéis atentos, afirmou: “Surpreende, sobretudo, sua tolerância ante a decisão do filho mais novo de ir embora de casa: poderia ter se oposto, sabendo que é imaturo, mas, em vez disso, o permite ir, mesmo prevendo os possíveis riscos”. É assim que Deus age conosco: nos deixa também livres de errar, porque, ao nos criar, nos deu o grande dom da liberdade. Somos nós que devemos saber utilizá-la bem. O desapego desse pai sobre seu filho é apenas físico; o pai o leva sempre no coração; aguarda confiante a sua volta; observa o caminho, na esperança de voltar a vê-lo.
Nunca é tarde para iniciar, numa enorme vontade, o processo de conversão, voltando-nos para nossas misérias e erros, a partir do personagem do filho mais novo. Igualmente, não nos esqueçamos nunca o filho mais velho, no olhar misericordioso do pai, revelando-nos de que não somos justos e que estamos longe da proposta amorosa e salvífica de Deus. Aqui entra a mística cristã, na assaz compreensão do sentido da misericórdia, dependendo de nós participarmos das Núpcias do Cordeiro, da plenitude da festa da fraternidade.
Entende-se como mística a espiritualidade de Jesus Nazaré, a do silêncio e do abandono nas mãos do absoluto de Deus, juntando-se a escuta da Palavra de Deus, da adoração a Jesus eucarístico, sem esquecer o evangelho da cruz e a busca do último lugar, identificada aqui com a espiritualidade de Charles de Foucauld, aquele que foi seduzido pelo amor de Deus, ao confessar seus pecados e sentir uma indizível alegria, a mesma alegria do filho pródigo.
A mística do Filho de Deus, com a Parábola do pai bondoso ou misericordioso, quer chegar ao preconceito dos doutores da lei e fariseus, pessoas consideradas puras, justas e distantes daquelas que eram consideradas não boas e pecadoras. Fica claro que pai bondoso é próprio de Deus, que, com seus didáticos ensinamentos, quer ver os filhos livres, nas suas escolhas e decisões.
Deus nos dê o dom da misericordiosa graça, para que, pela mística cristã, experimentemos o amor de Deus-Pai, que ama a todos indistintamente, estando sempre de braços abertos para acolher os filhos que retornam ao aconchego do bom, generoso e misericordioso pai.
*Pároco de Santo Afonso e vice-presidente da Previdência Sacerdotal, integra a Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza – [email protected]