“O novo humanismo a partir do Papa Francisco”, foi o tema de mais uma live organizada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dentro do programa “Igreja no Brasil-Painel” realizada neste 26 de maio, com a presença do padre Manfredo Araújo de Oliveira, Maurício Abdalla e Moisés Sbardelotto, conduzidos por Dom Joaquim Mol Guimarães.
A reportagem é de Luis Miguel Modino.
Uma discussão que tem sido precedida pela lembrança da Conferência de Aparecida, que está completando 15 anos neste mês de maio. Segundo o Bispo Auxiliar de Belo Horizonte, “estamos trazendo o Papa Francisco sob as luzes do Papa Francisco”, algo recolhido num livro que está sendo lançado, onde participam 25 autores renomados, com uma riqueza de reflexão muito grande.
O presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Comunicação da CNBB refletia sobre um tempo marcado pela presença de um pequeno grupo de bilionários que “condenam milhões de pessoas à pobreza, miséria, à fome, ao estado permanente de fome”, testando assim os Estados de direito, com uma grande influencia das novas tecnologias, que nem sempre aportam elementos positivos. Nessa realidade, o Papa Francisco foi definido por Dom Mol como “uma voz que representa um farol neste mundo em crise, obscurecido por muitas situações que desumanizam o humano”.
O debate partiu da pergunta: “Quais são os pressupostos deste novo humanismo apontado pelo Papa Francisco e como eles se expressam no Magistério do Papa Francisco?”. O padre Manfredo afirmou, citando o Papa Francisco, que o modo de organizar a sociedade, sobretudo a economia, destrói o ser humano, falando sobre a poluição mental gerada por milhões de informações ao mesmo tempo, que dificulta a capacidade de pensar, de uma reflexão profunda.
Manfredo Araújo de Oliveira, Maurício Abdalla e Moisés Sbardelotto e Dom Joaquim Mol Guimarães durante Igreja no Brasil-Painel (Foto: Luis Miguel Modino)
O novo humanismo proposto pelo Papa Francisco supera o antropocentrismo próprio do Iluminismo da Modernidade, segundo o professor emérito da Universidade Federal do Ceará. Frente a isso o Papa insiste no valor próprio de cada realidade, “que se radica na sua própria constituição”, algo fundamental para construir um projeto alternativo ao projeto tecnocrático, onde o ser humano é responsável pela Criação, dado que “tudo está entrelaçado com tudo, tudo faz parte de uma grande unidade na imensa diversidade e complexidade dos seres”, superando assim tentações de domínio, conduzindo a uma adequada visão do todo, ao cuidado com a natureza e com os pobres, pois “degradação ambiental e degradação social caminham juntas, como fruto do paradigma moderno”.
O eco humanismo é o que define o novo humanismo do Papa Francisco, segundo Maurício Abdalla, juntando os direitos dos seres humanos e da natureza. O filósofo vê aí a base da Laudato Sì’, se referindo ao grito da Terra e grito dos pobres, que falava Leonardo Boff, integrado num só clamor. Abdalla afirmou que esse humanismo é um anticapitalismo, dado seu caráter anti-humano e antinatureza, algo presente nos discursos do Papa Francisco aos movimentos populares. Frente ao capitalismo, a alternativa hoje é a organização a partir da base, segundo o professor de Filosofia da Universidade Federal do Espírito Santo. Uma sociedade marcada pelo lucro, sem importar o que dá esse lucro, tudo vira mercadoria. Diante disso, ressaltou o eco humanismo como um convite a pensar alternativas que ajudem a transformar as atuais estruturas.
Moisés Sbardelotto abordou a questão do testemunho no Papa Francisco, algo que ele não duvida em dizer que faz, “em primeiro lugar do próprio Evangelho” e de suas opções ao longo da sua vida. Como termo humanismo, o Papa questiona o sentido que damos ao humano, segundo o professor da PUC Minas, trazendo à tona a raiz comum que está no humus, algo explícito na Laudato Si, que ele assume ao dizer que “nós mesmos somos terra”. Junto com isso destaca a ideia de comum para entender o humanismo do Papa Francisco, o fato de ser filhos e filhas da mesma terra nos faz irmãos e irmãs. Comum que leva a ser “pessoas normais, pessoas concretas, pessoas simples, com o pé no chão, e por tanto comuns, que saibam, dialogar, conviver, com as suas irmãs e seus irmãos sejam quem forem”.
Sbardelotto define ao Papa Francisco como “muito terráqueo, preocupado com a realidade concreta das pessoas, que vivem hoje no nosso Planeta, e da possibilidade de existência desse Planeta diante de tanta destruição. Ele destaca uma das máximas do pensamento do Papa Francisco: “a realidade é mais importante do que a ideia”, algo que o jornalista relacionava com a espiritualidade, muitas vezes metafísica, esquecendo-nos da realidade. Ele refletiu sobre elementos presentes no Papa Francisco: a Igreja em saída às periferias geográficas e existenciais, onde estão presentes os pobres, os descartados; as viagens internacionais, uma mostra de suas escolhas eclesiais e políticas; seus encontros com os movimentos populares; o Dia Mundial dos Pobres; a ideia da Alegria em seus documentos; uma Igreja samaritana, ao serviço; a Reforma da Cúria…
Respondendo às perguntas dos participantes, o padre Manfredo advertiu que nós estamos caminhando para um Apocalipse ecológico-social, o que está ligado a um sistema econômico. Diante disso o Papa Francisco faz uma reflexão ética, querendo responder a “uma economia material que se desloca”, refletindo sobre as causas estruturais da forma de organizar a vida hoje.
Diante da cultura do descarte, algo intrínseco ao capitalismo, segundo Maurício Abdalla, abordando a questão da Economia de Francisco e Clara, ele disse que “ao colocar o ser humano e a natureza no centro, você tem uma contradição fundamental com os propósitos do sistema capitalista, submetendo a economia ao ser humano e à natureza, e não ao contrário, como é comum no sistema atual”.
Para poder impulsionar o novo humanismo, Moisés Sbardelotto, com as palavras do Papa Francisco, afirmou que a Igreja tem que voltar a sua missão inicial, que é anunciar o Evangelho. Isso significa “testemunhar em palavras e obras essa misericórdia do Pai, especialmente tocando a carne sofredora de Cristo no pobre”. Uma Igreja que não se preocupa consigo mesma, mas que olha para fora, sai pelas estradas, o que é desafiador, incómodo, comprometedor, nos põe em risco. No Brasil, uma Igreja que olha para as periferias, para aqueles que sofrem, especialmente neste período pós pandemia. Uma presença Política, expressão de caridade e amor, que a Igreja experimenta do próprio Deus.
Foto: Luis Miguel Modino
Fonte: ihu.unisinos.br