Celebramos, no último domingo do mês de novembro (24/11), a Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo. É interessante notar que nos Evangelhos de cada Ano Litúrgico (A, B e C), os textos dão uma conotação totalmente diferente da realeza de Jesus Cristo, porquanto uma realeza que se traduz e se exerce no amor, no serviço, no perdão e no dom da vida.
Como informação: no Ano A, o Evangelista é Mateus; no Ano B é Marcos e no Ano C é Lucas. No Ano A, o evangelho que aparece nesta solenidade é Mateus, 25, 31-46; no Ano B é Jo. 18, 33b – 37 e no ANO C (este ano de 2013), Lc. 23, 35-43.
Reconstituindo brevemente cada um destes três evangelhos, que vale a pena ler para contextualizá-los em torno desta reflexão, o que vemos? Em Mt. 25, 31-46 é a cena do juízo final, o Filho do Homem se assentará em seu trono de glória, para justamente dizer quem são os benditos do Pai (os justos) e os que viveram sem compaixão, o que fizeram na vida em termos de solidariedade ou no não. O que conta mesmo, o critério decisivo é viver com compaixão, a ajuda aos que sofrem.
Em João, 18, 33.b – 37, aparece a cena de Jesus diante de Pilatos e no diálogo Jesus afirma “ se a minha realeza fosse deste mundo, os meus guardas teriam combatido para que eu não fosse entregue aos judeus” (v.36) e quando interrogado se era Rei ele diz: “és tu que dizes que eu sou rei. Eu nasci e vim ao mundo para dar testemunho da verdade” (v.37). E no Evangelho deste ano, Lc. 23, 35-43, há muita zombaria com Jesus, havia um letreiro com a inscrição “Este é o rei dos judeus” (v. 38), até mesmo um dos malfeitores crucificados ao seu lado o insultava (v. 39).
Qual a ideia central destes textos, para onde eles apontam, o que inspiram em termos de poder e de vida para nós cristãos? O quadro das citações é dominado pelo tema da realeza de Jesus, mas o fundamental é como se define e se apresenta esta realeza! Nos dois últimos textos o ambiente é de proximidade imediata com a paixão e morte de Jesus Cristo e isto já é um forte indicativo de que esta realeza é despojada de todo poder dominador e controlador. Nestes textos e em toda a prática de Jesus não há qualquer sinal que identifique Jesus com poder, com autoridade, com realeza terrena.
A solenidade de Cristo Rei é um convite a repensar nossa existência e nossos valores. Diante deste “rei” despojado de tudo e pregado numa cruz, não nos parecem ridículas as nossas pretensões de honras, de glórias, de títulos, aplausos, de reconhecimentos, de palcos? Diante desse “rei”, que dá a vida por amor, não é questionável as nossas manias de grandeza, as lutas para conseguirmos mais poder, as invejas mesquinhas, as rivalidades?
Contemplar a festa de Cristo Rei do Universo remete-nos como cristãos a avaliar a nossa fé. “Este Deus crucificado não permite uma fé frívola e egoísta num Deus posto a serviço de nossos caprichos e pretensões. Este Deus nos coloca olhando para o sofrimento e o abandono de tantas vítimas de injustiça e de desgraças. Com este Deus nos encontramos quando nos aproximamos de qualquer crucificado… nós cristãos aprendemos, inclusive, a levantar nosso olhar para a cruz do senhor, desviando-o dos crucificados que estão diante de nossos olhos” (Pagola, O Caminho aberto por Jesus, Lucas, Vozes, 2012, pp. 343-344).
Vê-se, portanto que esta solenidade não esgota a sua compreensão apenas em termos de poder, mas a partir daí tem desdobramentos que infelizmente ainda não conseguimos absorver em sua totalidade, ou seja, interiorizar a lógica da realeza de Jesus através da compreensão de que o trono de Jesus é a cruz.
Pe. Almir Magalhães – é padre da Arquidiocese de Fortaleza, diretor e professor da Faculdade Católica de Fortaleza.
Publicado no Jornal O Povo em https://www.opovo.com.br/app/opovo/espiritualidade/2013/12/21/noticiasjornalespiritualidade,3180306/o-trono-de-jesus-e-a-cruz.shtml