Com a morte do Papa Francisco nesse 21 de abril, na Páscoa, sobe aos céus uma oração de gratidão pela vida do Santo Padre e por ter retornado à Casa do Pai Eterno em momento tão simbólico para a fé cristã. Ademais, precisamos considerar que esta Páscoa uniu diversas tradições cristãs em sua data, as Igrejas orientais e a Igreja latina. Sabemos que um dos propósitos de Francisco era submeter a estudos e análises uma possível alteração na data da Páscoa, em vista de promover a unidade com as Igrejas orientais. Sua morte parece ratificar tal intento.
Em todo caso, Francisco desejava mais: queria levar adiante a “reforma” sinodal da Igreja, aspirava ampliar a catolicidade na cúria romana, especialmente pelas nomeações de cardeais provindos do Sul; a sua “economia”, ainda em fase de gestação, precisava se robustecer, para iluminar uma economia cada vez mais desumanizada. Muitos projetos e sonhos de Francisco poderíamos aqui enumerar, contudo, ocupa-nos a incerteza, e fica a fé, a esperança. Os últimos dados “censitários” da Igreja apontam um crescimento católico em países do Sul, especialmente nos continentes africano e asiático. Seguramente tais números não serão esquecidos no Conclave.
Os três últimos papas tiveram cada um uma atenção bastante clara: João Paulo II não hesitou em demonstrar sua atenção voltada ao Leste Europeu e disso decorreu toda uma série de esforços que marcaram profundamente seu pontificado; Bento XVI, pelo próprio nome escolhido, Bento, patrono da Europa, tinha o olhar voltado para a restauração da Igreja no velho continente; Francisco, por sua vez, iluminado por outro Latino Americano, quis viver a recomendação do Concílio de Jerusalém: “não se esqueça dos pobres” (Gl 2,10), mas de imediato as pessoas e talvez o Cardeal Hummes e mesmo Bergoglio recordaram do pobrezinho de Assis, São Francisco. Em todo caso, estava posta a atenção do pontificado de Bergoglio: os mais empobrecidos, a inclusão de todos, o retorno radical ao Evangelho, pois quando a Igreja solicitou a São Francisco a regra de vida de sua fraternidade, ele logo teve por certo que sua Regra era o Evangelho. Também Francisco papa não tinha disto dúvidas.
Um Papa vindo do Sul, o primeiro latino americano, vinha de um mundo marcado por profundas e enraizadas desigualdades sociais. Sua atenção viu, singelamente e apresentou com insistente testemunho, o Cristo pobre com os pobres. Não uma pobreza “espiritualizada”, mas uma pobreza real, materializada nas periferias existenciais, que são de diversos modos: empobrecimento, solidão, exclusão social, exclusões sexista e etária, além do drama dos refugiados. Os pobres de Francisco tinham rosto, nomes e lugar. A sua concretude da existência desafiou a Igreja a ser mais concreta, fora da órbita de um “espiritualismo” onde as pessoas não têm dor, não sofrem pelas exclusões a que são submetidas.
O olhar a partir das periferias existenciais, fundamentado numa visível volta à fonte Cristã, o Evangelho, levou o Papa argentino a inúmeras intervenções em temas sensíveis ao corpo doutrinal e moral católico, na questão da mulher, do imigrante-refugiado, das pessoas homossexuais e temas da crise climática. Nem sempre foi compreendido, mas manteve-se firme, inclusive no tema ainda em “formação”, a reforma sinodal da Igreja.
E agora? Para aonde vamos? Seguramente essa pergunta, no meio católico, deve ser a mais comum nesses dias, contudo gostaríamos de olhar para o crescimento da Igreja na África e na Ásia. O crescimento é expressivo, tem alentado a Igreja a ver seu futuro vocacional assistido intensamente por esses continentes. São Igrejas, muitas delas jovens, situadas em culturas ancestrais e em contextos sócio-políticos que desafiam o horizonte humanista da Europa e mesmo da América Latina, a América de Bergoglio.
O crescimento da Igreja na África e na Ásia traz consigo desafios de ordem cultural, visto que os temas das periferias existenciais são, em muitos países desses continentes, não apenas não abordados, mas fortemente rejeitados. A sensibilidade moral e política de assuntos como a dignidade da mulher e a questão dos homossexuais cravam uma paralisante resposta a tais temas. As relações com as autoridades, em alguns locais, são regidas por uma rigorosa estratificação, o que, seguramente aporta dificuldades à proposta sinodal. Por outro lado, o diálogo interreligioso e o desafio da promoção da justiça concorrem para uma frutífera continuidade do legado de Francisco.
Não pretendemos considerar que tenhamos um Papa provindo do continente africano ou asiático, contudo, não será fácil distanciar-se de um perfil que atenda ao perfil dessas Igrejas, seja em razão do crescimento delas, seja pelo peso que assumiram no colégio cardinalício, sempre mais católico nos Consistórios de Francisco.
Francisco, vá em paz e nós vamos ficando por aqui, ore por nós.
Pe. Abimael Francisco do Nascimento, msc, Pároco da Paróquia Santo Antônio em Itaitinga-CE; Doutor em Filosofia, Mestre em Teologia, Psicanalista, Professor na Faculdade Católica de Fortaleza.