Padre Geovane Saraiva*
Viver bem neste mundo, na lógica do projeto de Deus, quer dizer ir encontro do reino, inaugurado por Jesus de Nazaré, na doação de sua própria vida. Ele não somente despojou-se de tudo, mas assumiu na sua vida, a condição dos sofredores, para com eles caminhar, para curá-los, para trazê-los de volta à vida digna. E o reino continua hoje, neste mundo, com a doação daqueles que assumem a mesma causa de Jesus, tornando-se pobres, com o mesmo Espírito do Mestre. Gosto muito dos pensamentos de Dom Helder Câmara, na sua grande profundidade: “Caminhar é ir ao encontro de metas. Significa mover-se para ajudar muitos outros a moverem-se, no sentido de tudo fazer para criar um mundo mais justo e humano”.
O Evangelho do sermão da montanha começa com as bem-aventuranças, declaração maravilhosa e solene, proclamada pelo Filho de Deus, na qual o reino de Deus nos é revelado como uma boa notícia aos pobres. Essa declaração ou anúncio é um grito de alegria, feito por Jesus de Nazaré, pela chegada do reino de Deus e, ao mesmo tempo, uma proposta rigorosa e exigente a um estilo de vida, no desprendimento e despojamento: “Bem-aventurados sereis quando vos caluniarem, quando vos perseguirem e disserem falsamente todo o tipo de mal contra vós por causa de mim” (Mt 5, 11).
Vivemos num mundo, experimentando muitos sinais de morte e nunca nos acostumamos com a dura realidade da morte. Ela pesa sobre nós. Sofremos muito com a morte, porque somos criaturas humanas e apegados a esta vida aqui da terra e não a enxergamos, na maioria das vezes como algo natural, tudo por causa das nossas contingências e limitações.
As bem-aventuranças querem nos colocar diante das tensões e dos desafios. Mas para nós, pessoas de fé, de maneira alguma, as situações duras e sinais de morte nos apontam para o fim. O Deus que enviou o seu Filho Jesus e o ressuscitou, nos ensina a viver bem aqui na terra, com pés firmes no chão, e assim, sonhar com a glória futura. “Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus” (Mt 5, 12).
Compreendemos que somos limitados, que não conseguimos dar um passo há mais, diante das tragédias, tensões e situações de limites. Elas nos ensinam e relevam algo precioso: a certeza de que a realidade dura e pesada dos sinais de morte nos engrandece e humaniza, dizendo-nos que a vida está acima de tudo. Daí olhar para a realidade da morte como nossa irmã e companheira inseparável. O exemplo vem de Francisco de Assis, ao dizer com grande Fé, sabedoria e confiança: “Louvado seja Deus pela irmã morte”.
Quando injustiça e tudo aquilo que gera a morte chegar perto de nós e bater à nossa porta, surpreendendo-nos e deixando nosso coração marcado pela dor e sofrimento, peçamos que a tristeza se transforme em alegria e esperança, certos de que o critério para o nosso julgamento e o julgamento da história é o da prática da justiça. Somos, portanto, desafiados a colocar a nossa própria vida diante do projeto de Deus, no amor que se traduz em justiça, verdade e solidariedade. É deste modo, que a piedade divina se transforma em misericórdia e generosidade, como diz tão bem o Profeta Oséias: “Quero misericórdia e não sacrifício” (Os, 6, 6).
Jesus nos promete e nos assegura a felicidade, não apenas num futuro longe e distante, lá no céu, na eternidade, mas já aqui na terra. A vontade de Deus é que o seu reino seja algo concreto e presente no mundo, através de nós, seus seguidores. Todo aquele que deseja participar e tem como sonho maior o reino de Deus, precisa experimentar a alegria da transformação interior, no desprendimento e despojamento, usando os bens deste mundo, mas com uma grande vontade de abraçar os bens que são eternos, que não passam, tendo diante dos olhos a promessa do Filho de Deus, na busca da sua própria felicidade e a do próximo.
*Padre da Arquidiocese de Fortaleza, Escritor, Membro da Academia de Letras dos Municípios do Estado Ceará (ALMECE), da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza e Vice-Presidente da Previdência Sacerdotal.
Pároco de Santo Afonso
Autor dos livros:
“O peregrino da Paz” e “Nascido Para as Coisas Maiores” (centenário de Dom Helder Câmara);
“A Ternura de um Pastor” – 2ª Edição (homenagem ao Cardeal Lorscheider);
“A Esperança Tem Nome” (espiritualidade e compromisso);
“Dom Helder: sonhos e utopias” (o pastor dos empobrecidos).