Estamos diante de grande desafio: como pensar alternativas ao projeto de sociedade que nos conduzia à barbárie? Aqui precisamos focar na questão central e decisiva que nos marca: o monstruoso desequilíbrio social (só perdemos o campeonato mundial de desigualdade para a África do Sul). Há separação abissal entre os ricos extremamente ricos e as grandes maiorias de pobres e miseráveis vivendo em situação de exclusão.
Os 10% mais ricos chegam a responder por 75% da riqueza nacional, sempre fizeram um projeto para si e se empenham ardorosamente em aumentar suas fortunas. Mais de 30% da população passa fome e quase outro tanto vive em insegurança alimentar. Numa palavra, seis em cada dez famílias encontram dificuldades para obter comida com a regularidade necessária para a sobrevivência. O número de brasileiros submetidos a uma situação de insegurança ultrapassa os 125 milhões, mais da metade da população.
Em São Paulo, o estado mais rico do país, 26 milhões de pessoas, em graus leve, moderado ou intenso, encontram dificuldade para comprar alimentos. Negros e pardos e lares chefiados por mulheres sofrem mais com fome. São vidas dilaceradas: camponeses, indígenas, mulheres, população em situação de rua, desempregados e subempregados, moradores de favelas e periferias, vítimas do tráfico, migrantes etc.
Neste contexto, uma questão central, para muitos analistas, é a política fiscal, uma vez que a alocação de recursos diz respeito a todos os aspectos da vida de uma população enquanto condição irrecusável para a efetivação dos direitos humanos através de políticas públicas. A política fiscal vigente hoje amplia a desigualdade dificultando o acesso aos direitos.
Exemplos claros disso são: o teto dos gastos; o desfinanciamento do setor da saúde, visível no fato de que nos últimos três anos se perderam mais de 10 bilhões de reais do orçamento da saúde descontados os gastos emergenciais autorizados pelo Congresso para o enfretamento da Covid-19; o desfinanciamento da pesquisa científica de acordo com as necessidades da saúde pública; a concessão de benefícios fiscais para produtos prejudiciais à saúde. A tudo isto se soma a escandalosa transferência do dinheiro público para a base do governo através do orçamento secreto.
Portanto, são tarefas urgentes: erradicar a fome por meio de políticas de segurança alimentar; impedir o subfinanciamento das políticas sociais; controlar o choque de juros; implementar a retomada do planejamento de políticas públicas; efetivar a política de renda básica; promover uma reforma tributária progressiva. Em nosso país, qualquer tentativa nessa direção sempre foi travada pela classe dominante, que normalmente acusa tais medidas de comunismo, socialismo, apresentados como propostas negadoras dos valores fundamentais da civilização ocidental e cristã. Para o sucesso desta investida é manter as massas na ignorância para melhor manipulá-las e impedir, com violência, que deixem de ser massa e passem a ser povo, protagonista de seu destino. Constitui-se em desafio incontornável vencer a política do ódio, da mentira e das relações de marginalização instaurada em nosso país.
Manfredo Oliveira
Foto: Portal Valentina