Visitei a Missão em Boa Vista (RR), de 13 a 16 de setembro de 2022, com o objetivo de conhecer o caminho dos migrantes que acolhemos aqui em Fortaleza e as experiências realizadas pelas irmãs Scalabrinianas na comunidade Missionária João Batista Scalabrini. Partimos eu Irmã Idalina Pellegrini de Fortaleza e Irmã Rosane Costa Rosa de Campo Grande (MS) e fomos acolhidas com muito carinho pelas irmãs Joana, Valdiza e Teresinha Santin. Chegamos com o coração aberto para ver, ouvir e conhecer a realidade dos migrantes, na grande maioria Venezuelanos, que chegam no espaço de recepção.
A realidade que vimos e ouvimos
Conhecendo a cidade, passando em frente a rodoviária nos aproximamos de mães com filhos, aí estavam há um mês, dormindo no relento com colchão: “Meu marido foi receber a pulseira, para a interiorização, ele vai antes para Santa Catarina, depois eu vou com meus filhos.” Disse que se alimentam quando alguém doava comida e que eles não ficavam no refúgio porque as condições não eram boas, dormir e comer lá dá muita coceira nas crianças e diarreia.
Seguimos para o grande pavilhão ao lado da Polícia Federal, onde estavam filas de espera para fazer a documentação, no seu interior existem diversas instituições tais como: a Organização Internacional para as Migrações (OIM), Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), Exército brasileiro e outras, que trabalham para a interiorização dessas pessoas nos diversos estados do Brasil.
Nos vários diálogos que tivemos sentimos o esforço de cada instituição para o acolhimento e integração dos que chegam da fronteira. Saímos bem cedo de Boa Vista, para visita em Pacaraima, um caminho de 200km, até a fronteira com a Venezuela. Nesse percurso o que se viu foram cercas de grandes fazendas, algumas comunidades indígenas, um lindo horizonte no sol do amanhecer. A chegada em Pacaraima, nos possibilitou tocar de perto a dor e a esperança de quem se coloca a caminho sem ter certeza aonde vai chegar.
A entrada de migrantes pela fronteira ainda é de 300 a 400 pessoas por dia. Nos galpões para o acolhimento, espaço para deixar as malas, filas para fazer a documentação, sentados com olhar de muito cansaço do longo caminho percorrido. As palavras de nosso fundador Scalabrini na estação de Milão ecoaram em nosso coração:
“Passando pela estação, vi a vasta sala, os pórticos laterais e a praça adjacente invadidos por trezentos ou quatrocentos indivíduos, vestidos pobremente, divididos em diversos grupos. Em suas faces brozeadas pelo sol, sulcadas por rugas precoces que a privação costuma imprimir, transparecia o tumulto dos afetos que agitavam seus corações… homens na flor da virilidade mulheres que carregavam ao colo suas crianças, pequenos e jovens todos irmanados por um pensamento, todos orientados para uma meta comum”.
Passamos a compreender o longo caminho que percorrem. A Irmã Terezinha dizia que na Pastoral do Migrante os acolhidos na quarta leva são mais vulneráveis do que os primeiros.
Nossas lágrimas não foram contidas, diante de tamanho desafio e dor. A pequena cidade limítrofe com aparência de abandonada, onde o prefeito nem ali mora. As famílias vão se colocando nas escadas, nos alpendres das casas até fazer a documentação e encontrar onde ir. Alguns lugares de acolhimento humanitário, como a Casa do Migrante coordenada pelas Irmãs de São José, apresentam-se como local de proteção e cuidado, para a acolhida de 100 mulheres e crianças. Existem outros projetos, por exemplo, banho, espaço de amamentação, fazer a documentação e entregas de marmitas.
A presença das Irmãs Scalabrinianas e a atuação missionária
O projeto Grupo Autogerido de Poupança e Empréstimo, (GAPE) orienta os migrantes, na maioria mulheres, a gerar entre si uma poupança em grupos (de 7 a 15 pessoas), a renda deve ser investida de acordo com o seu regulamento interno. Uma experiência aprendida com as comunidades de países africanos e adaptada no Equador com muito sucesso. Irmã Joana que coordena a iniciativa, nos levou a ver os resultados do trabalho de 3 anos. Conhecemos as casas de um grupo de família que já compraram o terreno em imobiliária, fizeram a escritura coletiva, dividiram o seu lote e estão construindo sua casa. No jardim algumas flores e temperos.
Tivemos um dia de formação com os colaboradores, onde pudemos após a prática também conhecer a teoria com as etapas para a implantação do projeto. É o grupo que define no seu regulamento interno as regras para a poupança, o valor da contribuição, os juros, as multas, os encontros semanais ou quinzenais. Uma metodologia que tem resultado para os 30 grupos já organizados, alguns autônomos, que se comprometem no coletivo. Vimos e ouvimos a experiência contada com o sorriso e a alegria das famílias que saíram do aluguel.
Irmã Terezinha, partilhou sobre uma missão que realizara juntamente com uma equipe. Eles fizeram o cadastro e encaminhamento da documentação de 200 migrantes. Sem essa mobilização não seria possível irem por conta própria à capital, que fica a 6h, por dificuldade finaceira. Assim, a religiosa coordena a Pastoral dos Migrantes, em Boa Vista e articula em cada município um agente da pastoral para identificar as necessidades dos migrantes e dar o apoio necessário. Nestas idas aos municípios do interior do estado, a sua presença é de escuta e acolhimento as histórias de vida.
Ir. Valdiza, é assessora da Pastoral da Juventude e se dedica parte do tempo aos estudos. Sua presença também é animação da fé e comunhão na comunidade Maria Mãe dos Migrantes. Nesta comunidade realiza com a equipe de migrantes atendimento na atualização da documentação, grupo de crianças, de jovens e mulheres.
A missão se atualiza no gesto de cada irmã que se dispõe a estar em missão no acolher, proteger, promover e integrar os migrantes e refugiados na travessia. Os valores de ontem de nosso fundador e co-fundadores continuam no coração e nos passos de cada scalabriniana, que no calor de 38º consegue vislumbrar a esperança junto aos caminhantes. Na atuação em Rede com outras pessoas e instituições se unem no grande desafio de dar uma resposta ao sonho de cada um, e construir no hoje o sonho de Deus: “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância”. Enquanto muitas bandeiras são estendidas nas praças na busca de votos, salários, nossa bandeira é para a construção de uma sociedade onde prevaleça a justiça, compaixão e solidariedade.
A Pastoral dos Migrantes e a Rede de acolhimento em Fortaleza, Crato, Sobral, realizam esta missão com migrantes e refugiados da Venezuela e de outros países latinos. Gratidão as Paróquias, comunidades, congregações e pessoas sensíveis a esta causa evangélica sendo Igreja Samaritana, em saída como pede o Papa Francisco.
Irmã Idalina Pellegrini, Missionária Scalabriniana e da coordenação da Pastoral dos Migrantes da Arquidiocese de Fortaleza
Fotos: Irmã Idalina Pellegrini