Imagem: Mosteiro da Imaculada Conceição e São José de Fortaleza (CE)
Celebrar, contemplar o Mistério da Imaculada Conceição nos 170 anos da sua proclamação dogmática, é pôr-se a caminho peregrinos de esperança por ser envolvidos pelo esplendor da graça do mistério salvífico de Jesus Cristo, na qual resplendece de forma eminente e singular na Imaculada Conceição da Virgem Maria e que resplendecerá também um dia em todo o corpo da Igreja.
Desde os primeiros séculos do Cristianismo já se observava grande veneração pela Mãe do Senhor. Os Padres da Igreja aplicavam a Maria os qualitativos de santa, inocente, puríssima, intacta, imaculada. Assim escreve Santo Hipólito (séc. II-III) “a humanidade de Maria foi revestida interna e externamente como puríssimo ouro do Logos de Deus” ¹. O Filho de Deus, todo puro, só poderia nascer da pureza da Mãe.
Porém, no decorrer dos séculos a crença na Imaculada não foi consensual por parte dos teólogos medievais. Nesse sentido, destaca o Papa Bento XVI: “As verdades da fé sobre a Imaculada Conceição, já estava presente no povo de Deus, mas a teologia ainda não tinha encontrado a chave para interpretá-la na totalidade da doutrina da fé” ². E o papel estimulante do povo cristão no amadurecimento do dogma, se perpetuará ao longo da história. (No século XIX, 08/12/1854) o Papa Pio IX, pela Bula “Inefabilis Deus”, proclamou para toda a Igreja o dogma da Imaculada Conceição.
Diante disso, na história da evolução do dogma imaculista existiram homens e mulheres, que por inspiração divina, adentraram sobre o olhar da fé nos mistérios divinos, reconheceram a grandeza com que Deus operou em Maria para ser a Mãe do Verbo encarnado. Ela é de fato, a Virgem sem mancha de pecado, puríssima para receber em seu seio a Pureza Eterna. A Família Franciscana “propôs durante séculos à piedade dos fiéis nas aulas universitárias e a proclamou na pregação à devoção a Imaculada Conceição da Virgem Maria” ³ e a partir deles outras Ordens religiosas e universidades se comprometem na defesa da doutrina Imaculista
Também Santa Beatriz (séc. XV), desse olhar iluminado da fé, na simplicidade de sua compreensão, foi inspirada pela sabedoria que emana do céu a fundar uma Ordem monástica para honra e celebrar a Virgem Maria no Mistério de sua Imaculada Conceição, no seguimento de Cristo, bem no período de grandes controvérsias doutrinais, contribui muito para propagar o seu culto na Igreja.
Embora, Beatriz, não sendo teóloga, foi partícipe do grande movimento mariano iluminando e confortando na oração o caminho religioso e teológico daqueles que declaravam a doutrina da Imaculada, segundo seu biógrafo, José Félix “A existência deste Mosteiro da Conceição representaria uma participação publica feminina no diálogo teológico que se acendia e reacendia havia séculos sobre a Conceição da Virgem Maria”4.
Com a aprovação da Ordem pelo Papa Inocêncio VIII e da devoção mariana que permeia este novo mosteiro, Beatriz inseriu o Ofício da Imaculada, pois, “as monjas contemplando devocionalmente esse mistério teológico teriam ainda a oportunidade de expressar-se por palavras na defesa imaculista. Ainda que não pudessem ser vistas, ocultadas que estariam no coro, as suas vozes seriam ouvidas, proclamando ao povo a tese imaculista” 5 . Assim, “O que a teologia imaculista defendia nas cátedras e nos púlpitos, o Espírito, servindo-se de Beatriz, o converteu em projeto de vida para as Irmãs da nova Ordem” 6 .
Santa Beatriz está do final do século XV e inicio do século XVI. Nasceu em Campo Maior, cresceu no ambiente da Corte de Portugal e Castela. Esses reinos e no reino Aragão e outros países da Península Ibérica foram o berço do culto à Imaculada Conceição, tornando um valor cultural e religioso das monarquias luso-hispânicas. Esta devoção se expandiu na América que foi colonizada por Portugal e Espanha pelos séculos XVI, XVII E XVIII, e teve por patrona a Imaculada Conceição. É relevante ressaltar que, em 1540, a primeira Ordem feminina a chegar ao Novo Mundo foi a Ordem da Imaculada Conceição, as Monjas Concepcionistas, fundada por Santa Beatriz.
A vocação de Santa Beatriz em seguir a Cristo, à luz do mistério da Imaculada Conceição, representou algo de grande relevância e “revolucionário” para uma mulher medieval.
As mulheres da sua época, apesar de estarem privadas da palavra pública, podiam participar da defesa imaculista. Aderindo a esta defesa através da consagração religiosa, fixavam como modelo a Virgem Maria e exaltavam, entre outros, os valores humanistas na devoção imaculista peninsular no tocante a uma redefinição da dignidade a reconhecer às mulheres.
Santa Beatriz e muitas outras santas mulheres da Idade Média “rompendo as barreiras do mundo que as havia condenado ao silêncio, alcançaram suas vozes, que foram ouvidas porque saíam de suas experiências sobrenaturais” 8 .
O desenvolvimento espiritual de santa Beatriz da Silva está ancorado em um projeto vital que implica viver a “Conceição” em todos os aspectos da vida, na contemplação e ação, na mística, no silêncio e solidão, nas coisas pequenas e nas grandes, no exterior e no interior, na fraternidade, na entrega e na oração, como “hóstias vivas”. Glorificando a Trindade Santa pelas maravilhas realizadas na Virgem Maria, da qual sinaliza o projeto de Deus a humanidade.
Maria Imaculada é a toda cheia da graça, e nos revela que o ser humano é permanentemente agraciado por Deus; por isso, ele vive. Ele vive da graça constante da Providência Divina não porque é pecador, mas porque Deus o ama, desde toda a eternidade. Viver a vida de agraciado é, constitutivamente, o modo do viver humano.
Irmã Maria Cecília, OIC.
Mosteiro da Imaculada Conceição e São José de Fortaleza (CE)
Referências bibliográficas:
1 (Frang. In Ps22, 1,ed.de Berlim, I,2, pp.164ss)
2 Bento XVI, Homilia, 2009.)
3 TOTA PULCHRA ES MARIA. Carta do Ministro Geral, Fr. José Rodriguez OFM. p 3.
4 FELIX, José. O Fuso e a Trama, Santa Beatriz da Silva e a Fundação da Ordem da Imaculada Conceição Século XV e XVI, p. 82.
5 FELIX, José. O Fuso e a Trama, Santa Beatriz da Silva e a Fundação da Ordem da Imaculada Conceição Século XV e XVI, p. 46.
6 CONSTITUIÇÕES GERAIS DA OIC. Introdução.
7 FELIX, José. O Fuso e a Trama, Santa Beatriz da Silva e a Fundação da Ordem da Imaculada Conceição Século XV e XVI, p. 189.
8 CIRLOT; GARÍ, 1999, p. 11,