Sínodo. “Implica um modo de comunicar novo porque corremos o risco de falar e não ser ouvidos”

Pe. Sérgio Leal e o Papa Francisco

O padre Sérgio Leal recorda o encontro com o Papa Francisco em 2019 durante o Sínodo da Amazónia. Assinala a importância de gerar processos sinodais promovendo uma comunicação onde todos somos simultaneamente emissores e recetores.

Rui Saraiva – Portugal

Após a apresentação a 7 de setembro do Documento Preparatório do Sínodo dos bispos sobre o tema “Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão”, as dioceses de todo o mundo estão a organizar-se para corresponderem a este grande desafio.

Em Roma o início oficial com o Papa será nos dias 9 e 10 de outubro e no dia 17 do mesmo mês arranca o processo sinodal em cada uma das Igrejas particulares.

Acompanha-nos neste tempo de preparação para o Sínodo o padre Sérgio Leal, sacerdote português que está a concluir doutoramento na Pontifícia Universidade Lateranense, em Roma, e que defendeu em 2018 uma tese de licenciatura sobre a sinodalidade como estilo pastoral. A Paulinas Editora vai publicar em breve um livro da autoria do padre Sérgio Leal sobre a sinodalidade no magistério do Papa Francisco.

Memória de um encontro

E foi durante a Assembleia Especial dos bispos para a região Pan-Amazónica, em 2019, que o padre Sérgio Leal encontrou o Papa Francisco. O sacerdote colaborava naquele Sínodo como assistente da Secretaria Geral e caminhando da Casa Santa Marta para a Aula do Sínodo encontrou o Santo Padre:

“Faço memória de uma conversa pessoal com ele no contexto do Sínodo da Amazónia. Em que nos primeiros dias do Sínodo conversando até à Aula Sinodal ele me perguntava o que é que um jovem pastoralista pensava de tudo o que estava a ver ali. E eu dei a minha opinião. E o Papa dizia-me: ‘sabes é isso que eu, às vezes também penso quando vejo alguém chegar ao Sínodo já com ideias muito definidas das conclusões sinodais’. Quando partimos para um caminho partimos com abertura de coração para nos deixarmos surpreender pelo Espírito Santo. E para juntos construirmos caminho. Apresentamos aquilo que é a nossa perspetiva, mas para enriquecer com o contributo dos outros. De ajudar os outros a caminhar. E de ser ajudado também. E, portanto, o caminho sinodal não nos pode fechar numa ideologia pessoal, mas tem que abrir o nosso coração às surpresas do Espírito. E com este sucessor de Pedro que é o Papa Francisco eu não tenho dúvidas que a sinodalidade é isto. Ele é garante de comunhão e de unidade deixando-se surpreender por aquilo que o Espirito Santo lhe vai pedindo a ele” – disse o padre Sérgio Leal.

Fazer caminho sinodal é gerar processos

O sacerdote português acentua a importância essencial do conceito de processo para um caminho sinodal.

“Processo, uma palavra que me agrada muito quando se fala de sinodalidade. Fazer caminho sinodal não é gerar estruturas, é gerar processos. Um primeiro processo de fundo de conversão pastoral, em primeiro lugar, de conversão pessoal. A grande mudança da Igreja acontece pela mudança de cada um de nós. E o Papa diz isso: ‘a começar por mim’. Mais do que um conjunto de estruturas sinodalidade é processo e processos conjuntos. Mas devemos partir das estruturas que nós temos no conjunto da Igreja particular que o Papa apresenta como primeiro lugar do exercício de sinodalidade. A começar pelo bispo diocesano que tem um conjunto de estruturas como o Conselho Presbiteral, o Conselho Diocesano de Pastoral. Depois partindo para as realidades mais concretas, na vida paroquial o Conselho Paroquial de Pastoral, o Conselho para os Assuntos Económicos, a Assembleia Paroquial. Isto é, há um conjunto de estruturas de participação e de comunhão que são lugares de exercício prático. Dar lugar a processos sinodais é potenciar estas estruturas como lugares sinodais. Lugares que não são de decisão unidirecional, nem lugar de escuta daquele que preside ao Conselho, mas de perceber que há ali uma reciprocidade na escuta. Que há um verdadeiro diálogo” – afirmou.

Lugares de decisão participada

Os processos sinodais são processos conjuntos e lugar de uma decisão participada – diz o padre Sérgio Leal.

“Os processos sinodais devem ser verdadeiros lugares de decisão. A decisão de facto cabe sempre àquele que preside, mas a elaboração da decisão deve ser participada por todos. E estes processos sinodais são processos conjuntos” – declarou.

Por uma conversão pastoral

A sinodalidade implica fazer um caminho de conversão pastoral, de mudança. E o Papa diz que deve começar por ele próprio.

“Eu diria que tem que começar por todos. O Papa Francisco quando diz na ‘Evangelii Gaudium’: sonho com uma opção missionária que coloca a caminho todos, os métodos, os horários, os estilos. E o Papa faz um percurso muito interessante quando diz que esta conversão pastoral é a começar pelo Papado, por ele, pelo sucessor de Pedro. Depois os bispos, os presbíteros, as paróquias, os movimentos. Isto é, é um caminho para todos esta da conversão pastoral” – recordou.  

Emissores e recetores em processo sinodal

O padre Sérgio Leal lembra a importância da comunicação num processo sinodal onde todos somos emissores e recetores.

“E num processo sinodal somos simultaneamente emissores e recetores. E aqui é a grande redescoberta da sinodalidade: porque nos habituamos a que os ministros ordenados sejam os emissores e os fiéis leigos os recetores. A igreja sinodal coloca-nos como emissores e recetores simultaneamente e sempre como recetores da voz de Deus. Isto é, de juntos procurarmos o que o Senhor nos pede hoje, aqui e agora. Não é aquilo que eu acho melhor, é aquilo que o Espírito Santo me pede aqui e agora. Num esforço permanente de caminhar na comunhão e unidade para chegar às periferias, para chegar aos outros. E isto é um dinamismo que nos coloca permanentemente em questão porque me liberta da minha autorreferencialidade e autossuficiência e me faz estar permanentemente a caminho” – afirmou.

Um modo de comunicar novo

Para fazer atuar um processo sinodal a comunicação é essencial até porque “a Igreja nasce de um Deus que se comunica” – lembrou o padre Sérgio Leal sublinhando que “fazer uma publicação online não significa ser escutado”. É preciso algo mais.

“A Igreja nasce de um Deus que se comunica. De um Deus que se diz em linguagem humana, que assume a nossa carne humana e que nos ensina esta arte de encarnarmos o Evangelho, de fazermos presente o Evangelho numa determinada cultura. Isto significa dizer o Evangelho de sempre na linguagem de hoje. Ser capaz de comunicar hoje de modo que nos escutem. O Papa diz uma coisa que tenho repetido já várias vezes e que para mim é essencial na ‘Evangelii Gaudium’. É que, às vezes, a nossa preocupação é fazer um discurso ortodoxo do ponto de vista doutrinal, mas depois o modo como é escutado pelos outros não corresponde àquilo que queremos dizer. E o Papa diz que tenhamos o cuidado para que aquilo que comunicamos seja aquilo que é escutado. E isto implica um modo de comunicar novo porque corremos o risco de falar e não ser ouvidos. E este é também um risco do modo como hoje entendemos a comunicação. Fazer uma publicação online não significa ser escutado” – disse.

O padre Sérgio Leal continuará connosco nas próximas semanas ajudando a refletir sobre o tema da sinodalidade que está a marcar a vida da Igreja.

A Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos será em outubro de 2023, mas até lá há um longo caminho a percorrer nas fases diocesana e continental. Um caminho conjunto de comunhão, participação e missão. Para que mais do que “produzir documentos” seja possível “fazer florescer a esperança”.

Laudetur Iesus Christus

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