Sonhando com a paz: as palavras dos Papas após as guerras

O Papa durante a Oração pela Paz em 27 de outubro de 2023  (Vatican Media)

Neste período de aniversário de 2 anos da eclosão da guerra na Ucrânia, percorremos, através das palavras dos Pontífices, alguns dos momentos em que, depois de trágicos acontecimentos, finalmente chega a hora de acolher a reconciliação e iniciar um caminho de reconstrução que não é apenas material. O desejo é que, neste sulco marcado por eventos bélicos, em breve seja possível alcançar o dom da paz na Ucrânia e em todas as terras abaladas por conflitos.

Amedeo Lomonaco – Vatican News

Dois anos se passaram desde o início da guerra na Ucrânia (em 24 de fevereiro de 2022). Repercorrer os horrores desses 24 meses significa ver, através do dramático número de vítimas, a face de uma tragédia que ainda está ensanguentando a Europa.

Desde o início da invasão das forças militares russas, pelo menos 500 mil soldados russos e ucranianos morreram ou ficaram feridos nos campos de batalha – de acordo com várias fontes. De acordo com dados divulgados pelas Nações Unidas, mais de 10 mil civis foram mortos e 18.500 ficaram feridos. Além disso, mais de 6,4 milhões de pessoas deixaram a Ucrânia. “Um massacre inútil”, citando as palavras usadas pelo Papa Bento XV em carta endereçada em 1917 aos líderes dos povos beligerantes, que ainda aguarda o único epílogo verdadeiramente desejável, aquele da paz.

Abismos de dor antes da paz

A guerra na Ucrânia é uma página dramática como tantas outras catástrofes desencadeadas por conflitos que assolam toda a história da humanidade. Quando se segue o doloroso caminho das armas, povos inteiros são desfigurados e dilacerados pelo ódio. Uma “loucura” – como o Papa Francisco a definiu em várias ocasiões – que devastou muitos momentos também do século passado e deste início do terceiro milênio.

Mas, diante desses abismos de dor, os olhos do homem não podem fechar o olhar para a esperança. Depois de um sofrimento atroz, mais cedo ou mais tarde – finalmente – chega a hora em que a dádiva da paz pode ser acolhida. Depois de pilhas de vítimas e de escombros, chega o momento em que a reconciliação germina: nasce aquele instante em que os esforços para o diálogo e para a reconstrução prevalecem, e não as armas.

Há muitos desses momentos históricos, há muito esperados, em que as reflexões dos Pontífices ressoam após o fim de uma guerra. Em geral, são palavras pronunciadas para exortar a não esquecer os horrores que acabamos de vivenciar e para construir uma nova era, capaz de evitar novas destruições e de promover a verdadeira fraternidade.

Primeira Guerra Mundial, Bento XV: o amanhecer após um ódio brutal

Um desses momentos históricos, marcado pelos frutos da paz, foi vivido em 11 de novembro de 1918, quando terminou a I Guerra Mundial, uma tragédia que custou mais de 37 milhões de vidas. Na véspera da solenidade de Natal daquele ano, Bento XV, dirigindo-se ao Sacro Colégio de Cardeais, relembrou esse capítulo dramático da história: “Nas alturas do Vaticano”, disse o Pontífice, “os gritos de dor desses anos de guerra infelizmente chegaram até nós”. Foi, portanto, “com estímulo, mas também com medida, de Pai” que, continuou o Papa da Igreja, “deploramos e condenamos os excessos de ódio brutal” e com os “nossos esforços” procuramos “apressar o alvorecer da paz, lembrando os princípios da imutável (…) justiça de Cristo”.

Pio XII após a II Guerra Mundial: um novo universo desponta

Em 8 de maio de 1945, terminou o segundo conflito mundial na Europa que custou a vida de pelo menos 55 milhões de pessoas. No dia seguinte, na mensagem transmitida em rádio intitulada “Aqui finalmente está o fim”, o Papa Pio XII enfatizou que “a guerra acumulou um caos de ruínas, ruínas materiais e ruínas morais, como a raça humana nunca conheceu em toda a sua história”.

O olhar do Pontífice se dirigiu, em primeiro lugar, aos “túmulos, às ravinas devastadas e vermelhas de sangue, onde repousam os inúmeros restos mortais daqueles que foram vítimas de combates ou massacres desumanos, da fome ou da miséria”. Parece que os mortos, acrescentou o Papa Pacelli, “admoestam os sobreviventes do terrível flagelo” e dizem a eles: “Levantem-se de nossos ossos, de nossos sepulcros e da terra, onde fomos jogados como grãos de trigo, os moldadores e construtores de uma Europa nova e melhor, de um universo novo e melhor, fundado no temor filial de Deus, na fidelidade a seus santos mandamentos, no respeito à dignidade humana, no princípio sagrado da igualdade de direitos para todos os povos e todos os Estados, grandes e pequenos, fracos e fortes”.

Guerra do Vietnã, Paulo VI: futuro não isento de incógnitas

O ano de 1975 viu o fim de outro conflito sangrento, o que devastou o Vietnã. De acordo com várias fontes, mais de 58 mil soldados americanos, 250 mil soldados sul-vietnamitas e mais de 3 milhões de soldados e civis norte-vietnamitas morreram. Dois anos antes, após a assinatura dos Acordos de Paz de Paris, os Estados Unidos haviam deixado o país.

Em 22 de dezembro de 1975, o Papa Paulo VI falou sobre esse grande acontecimento do fim da guerra no país asiático durante discurso ao Sacro Colégio e à prelazia romana. “A conclusão das hostilidades no Vietnã, após 30 anos de guerra e de luta, abre para a Indochina e para todo o Sudeste Asiático um novo capítulo, não isento de incógnitas”. A Santa Sé, recordou o Papa Montini, procurou “colocar-se e permanecer em contato com as autoridades do Vietnã, desejando que assim possa agir em benefício mútuo, do Estado e da Igreja, em espírito de participação amistosa na obra de reconstrução do país e com a esperança de que àquela Comunidade Católica, uma das mais florescentes do grande mundo asiático, berço de antigas e nobres civilizações, seja dado espaço suficiente de vida e de atividades, no campo religioso que é próprio da Igreja, mas não sem influência benéfica para o desenvolvimento tranquilo e ordenado de toda a coletividade nacional”.

Bálcãs, João Paulo II: Sarajevo seja uma encruzilhada de paz

Em 14 de dezembro de 1995, os Acordos de Dayton foram ratificados em Paris, pondo fim ao conflito na Bósnia e Herzegovina, que havia custado a vida de pelo menos 100 mil pessoas, incluindo 40 mil civis. Dirigindo-se ao corpo diplomático em 13 de janeiro de 1996, o Papa João Paulo II enfatizou que “um clima de paz parece se instaurar em certas partes da Europa”. “A Bósnia e Herzegovina pôde se beneficiar de um acordo que deve – nós esperamos – salvaguardar a sua fisionomia, levando em conta a sua composição étnica. Sarajevo, em particular, outra cidade simbólica, também deve se tornar uma encruzilhada de paz”. “Por outro lado”, observou o Papa Wojtyła, “não é chamada de ‘Jerusalém da Europa’? Se a eclosão da I Guerra Mundial está ligada a essa cidade, seu nome deve finalmente se tornar sinônimo de cidade da paz, e os encontros e intercâmbios culturais, sociais e religiosos devem fecundar a convivência multiétnica. Trata-se de um processo que será longo e não sem dificuldades”.

Francisco, mensageiro da paz no Iraque

Em 2021, em um momento em que o mundo inteiro está tenta sair da crise da pandemia da Covid-19, Papa Francisco é um mensageiro da paz no Iraque, um país profundamente marcado na sua história recente por múltiplos conflitos. Após a primeira e a segunda Guerras do Golfo e o fim do regime de Saddam Hussein, o Iraque foi dilacerado por uma longa série de atentados e violência. A guerrilha se fortalece e nasce o autodenominado Estado Islâmico (Isis). Em 9 de dezembro de 2017, o então primeiro-ministro iraquiano al-Abadi declara oficialmente vencida a guerra contra os milicianos do Isis. Mas a paz continua sendo um dom frágil que deve ser protegido.

Francisco lembrou disso em várias ocasiões durante a sua viagem apostólica à terra de Abraão. “Nas últimas décadas”, disse ele no encontro com as autoridades, a sociedade civil e o corpo diplomático, “o Iraque sofreu os infortúnios das guerras, o flagelo do terrorismo e conflitos sectários, muitas vezes baseados em um fundamentalismo incapaz de aceitar a convivência pacífica de vários grupos étnicos e religiosos, de ideias e culturas diferentes. Tudo isso trouxe morte, destruição, ruínas ainda visíveis… E não só em nível material: os danos são ainda mais profundos, quando se pensa nas feridas dos corações de tantas pessoas e comunidades que precisarão de anos para se curar”. “Atender às necessidades essenciais de tantos irmãos e irmãs”, acrescentou Francisco, “é um ato de caridade e justiça, e contribui para uma paz duradoura”.

Sonhando com a paz em todas as terras devastadas pela guerra

Toda guerra, como o Papa Francisco nos lembrou em várias ocasiões, é “sempre uma derrota”. Somente a paz leva, ao contrário, mesmo em meio a feridas profundas e indeléveis, a uma cura progressiva. As populações da Ucrânia, do Oriente Médio e de todas as regiões do mundo abaladas por guerras e violência – como o Sudão do Sul, a República Democrática do Congo, Mianmar – esperam que o sonho de uma autêntica reconciliação se torne, o mais rápido possível, um verdadeiro dom a ser acolhido, protegido e fortalecido.

Um milagre a ser valorizado porque a paz é o maior antídoto contra o ódio. E mesmo quando é apenas um fruto que acaba de florescer, ela nos leva a ver novamente a dignidade do outro e o rosto daquele que, em tempos de guerra, é considerado apenas um inimigo. A reconciliação é o autêntico destino da humanidade porque, como enfatizou o Papa Bento XVI em 1º de janeiro de 2013, na Solenidade de Maria Santíssima Mãe de Deus, “o homem é feito para a paz, que é dom de Deus”.

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