Na segunda reflexão da Quaresma, Pe. Rafhael Silva Maciel recorda que este é um “tempo privilegiado para fazermos uma revisão de vida, para nos propormos recolocar as coisas e os sentimentos no seu devido lugar, colocando no centro Aquele que é a verdadeira Paz, Jesus Cristo”.
No Evangelho do I Domingo de Quaresma meditávamos sobre as tentações que Jesus Cristo sofreu no deserto (Lc 4,10-13), como satanás o tentou de forma fascinante, uma vez que as três tentações que lhe foram propostas diziam respeito a necessidades básicas do ser humano, como a fome, ou a desejos que tocam o profundo do ser humano como o crescimento da vida e de suas circunstâncias, como o sucesso e as posses materiais.
As Escrituras nos relatam que Deus criou homem e mulher, colocou-os no Paraíso, e que a obra da criação foi posta à disposição deles (Gn 1,26-31;2,4b-25); porém, instigados pelo diabo, nossos primeiros pais caíram na maior e mais funesta tentação: “sereis como deuses” (Gn 3,5). Essa tentação sempre esteve às voltas com o ser humano. Ser como deuses, ter todo o poder e tudo poder subjugar a projetos individuais ou de determinados grupos têm sido a grande tentação, que por várias ocasiões têm feito a humanidade cair em um caos assustador, cheio de morte e de dor. O Papa emérito Bento XVI, certa vez ensinou que “quando se falsifica a relação com Deus com uma mentira, pondo-se no seu lugar, todas as demais relações são alteradas (…) o outro torna-se um rival, uma ameaça: depois de ter cedido à tentação, Adão acusa imediatamente Eva (…). Os dois escondem-se da visão daquele Deus com Quem conversavam amistosamente (…); o mundo deixa de ser o jardim no qual viver com harmonia, mas um lugar a explorar e no qual se ocultam insídias (…); a inveja e o ódio pelo outro entram no coração do homem” (Audiência 06/02/2013).
Quando o homem e a mulher se tornam ídolos de si próprios não podem trazer à tona senão morte. Os profetas sempre exortaram o povo de Deus para que voltasse para o seu Deus, deixando para trás as obras do pecado, deixando para trás os ídolos, uma vez que não se encontra paz na adoração de ídolos, de bezerros de ouro que só enganam e fazem sofrer. As guerras que o mundo está presenciando são uma amostra do que a comunhão do ser humano com um ídolo é capaz, porque é preenchida pela soberba e pelo orgulho.
Para além das guerras bélicas existem muitas outras, movidas por ídolos e propostas ao coração do homem por obra do diabo, daquele espírito decaído que divide, e instigando os corações e as mentes, cria guerras interiores e exteriores naqueles que dialogam com a tentação. O tentador entende quais são as fraquezas de cada um e, com astúcia, propõe a “satisfação” das necessidades pessoais de modo prazeroso, mas, em verdade, são amargas e ilusórias. Por isso mesmo, “estejamos atentos a não pôr a esperança no dinheiro, no orgulho, no poder e na vaidade, pois tudo isto não nos pode prometer nada de bom!” (Francisco, Audiência 11/06/2014).
“Não nos deixes cair na tentação” (Mt 6,13), foi uma das fórmulas que o Senhor mesmo nos ensinou e que compõe a série de pedidos que fazemos na oração do Pai Nosso. Esse pedido diário deve ressoar em nosso entendimento, principalmente nas tomadas de decisões que envolvem as vidas de tantas outras pessoas. Papa Francisco acrescenta que “é com esta última invocação que o nosso diálogo com o Pai celeste entra, por assim dizer, ao cerne do drama, ou seja, ao âmbito do confronto entre a nossa liberdade e as ciladas do maligno” (Audiência 01/05/2019). Devemos pedir ao Senhor, que esse não nos deixar cair na tentação seja vivido na observância dos mandamentos da Lei de Deus e da Igreja, na observância das obras de misericórdia, enfim.
Nesta Quaresma, vivendo ainda as consequências da pandemia e assistindo o desenrolar de uma guerra, façamos cada um de nós, um bom exame de consciência sobre como temos procurado viver aquilo que rezamos no Pai Nosso. Podemos nos perguntar: Há pecados de soberba na minha vida: irritação, resisto a perdoar, quero mais ser servido do que servir, trato com delicadeza e caridade os irmãos? Sou egoísta, guardando tudo só para mim? Procuro rezar por aqueles que me tenham ferido de algum modo? Essas são algumas, dentre tantas outras perguntas que nós podemos fazer.
O exame de consciência deve nos ajudar a perceber as “pequenas guerras” que, por vezes, travamos entre nós, e serve como um bom remédio contra as tentações que o inimigo de Deus nos propõe a cada dia e a cada instante. A Quaresma é tempo privilegiado para fazermos uma revisão de vida, para nos propormos recolocar as coisas e os sentimentos no seu devido lugar, colocando no centro Aquele que é a verdadeira Paz, Jesus Cristo. Fazendo assim, possamos chegar à Páscoa da Ressurreição do Senhor havendo combatido o bom combate da fé com a arma da oração.
Roma, 09 de março de 2022
Pe. Rafhael Silva Maciel
Missionário da Misericórdia
Fonte: Vatican News